terça-feira, março 27, 2007

YA ya

Abstractamente falando venho aqui para pôr cada ponto em cada i, e dizer honestamente: falemos abertamente. Não, não, censuras não. Taco a taco. Mano a mano. Como um fraco e um tirano em amena cavaqueira, a convergir para a tremenda bebedeira falaremos. Dissertaremos sobre tudo isto e muitos, e quiçá achar-nos-emos reis do mundo. Tu, eu e o outro. Aquele ali. Que ainda agora queria pôr cada ponto em cada i, mas acabou de desistir. Diz ele não gostar destas coisas da socialidade e que se dá melhor na negritude. Disse-lhe eu e disse bem que se continuasse nessa atitude ainda se havia de foder.
Amar é fodido. Porque é que não haveria de o ser?

terça-feira, março 20, 2007

la famille

Porquê Marie?

Porquê?
E feita a pergunta, uma lágrima fugia-lhe do olho e corria directa para um mar de lágrimas. Porquê Marie?
Era Janeiro e Marie não percebia o que havia de errado. De olhos inchados e rosto húmido dava uma arrumação na casa que o Natal não deveria ter desarrumado de tal maneira. Era sábado e ali estava ela. Sozinha, mais o pequeno Jean a dormitar no quarto ao lado e Sébastian a acabar os trabalhos de casa no escritório; os outros filhos em casa dos amigos; Pierre, o marido, em reunião. Não conseguia perceber, e também não conseguia parar de chorar. Dobrou um braço e com o outro segurou a cabeça, como que rezando ao pranto que se fosse. E lá a prece haveria de ser atendida. Foi já de olhos limpos que Marie enfrentou a pilha de louça deixada pelo almoço, e com esses mesmos olhos e uma cara risonha ajudou Sébastian numa pergunta da escola particularmente complicada para um menino de 8 anos. Não voltou a remexer no assunto o resto da tarde, nem sequer á noite quando a família se reuniu para o jantar e Pierre, a beijou com entusiasmo na face: concluíra um negócio fantástico. As horas de refeição eram horas sagradas e ela, preferia naquele momento nada ter a ver com os problemas que a atormentavam. Adorava ver-se ali no meio daquelas cinco adoráveis crianças, seus filhos e filhas, que concebera em seu ventre, amamentara em seu seio e apoiara nos primeiros passos. Adorava ver-se ao lado do homem que amava, e que a amava, desde que se lembrava. Tão embevecida que ficou com o quadro, que uma lágrima não conseguiu evitar. “Tu vas bien, Marie?” “Oui, oui, ça va bien. C’est la famille…” e Pierre concordou num aceno, e embevecido também ele olhou a cena. A pressa do quotidiano quase que lhes roubava aqueles pequenos momentos. Conversas cruzadas sobre a mesa, birras, risos. “La famille”. Quando se foram todos deitar, Marie ia mais tranquila, ainda que ligeiramente inquieta.
Os dias lá foram passando. Janeiro acabando, dando lugar a Fevereiro. Todos os dias Marie, assim que chegada do trabalho, ia à janela ver chegar cada um dos filhos: primeiro chegavam sempre Jean, Sébastian e Nicole, na carrinha do infantário, depois chegava Paul com Marc, o seu amigo de longa data e por último Julliete, a sua mais velha, que vinha sempre acompanhada de outras amigas, como ela de 14 anos. Chegada após chegada, lhes ia abrindo a porta, dando-lhes as boas vindas com um sorriso caloroso, a eles, ás suas conversas, birras e descobertas desse dia, trocando pequenas saudações com os vizinhos que iam também chegando a casa. Depois de pousados os casacos e descalças as botas, todos eles tentavam furtar-se às tarefas que a mãe e a escola lhes punham em mãos. Porém Marie, no meio da balbúrdia lá impunha ordem e a sua vontade prevalecia, ainda que com a ajuda da sempre solícita e madura Julliete. Pierre não tardaria e o jantar queria-se pronto. Esta era a rotina. A doce rotina que os motivava a guardar cada um daqueles momentos algures entre a memória e o coração. Marie chamava com dois bater de palmas os filhos para a mesa, que para não variar tinham estagnado em frente da televisão. “Julliete c’est la seule qui m’aide. Allez. Allez!”. Resmungando, lá dispersavam as crianças para a cozinha ou para os quartos conforme as funções destinadas. Foi numa dessas alturas, depois de ter tirado os filhos da sala e os mandado às suas tarefas, que Marie deu consigo presa, também ela ao pequeno ecrã. E ela que até nem era grande apreciadora. Nem gostava. Aquelas imagens que se sucediam sem parar. Aquele ruído e papaguear constante. Sem no entanto nada ver. Sem nada ouvir. Nada escutar. Nada, senão aquela pergunta. Porquê? Porquê Marie? Porquê?
Era quarta-feira. Caía a tarde, chegava a noite, e Marie voltava uma vez mais àquele desagradável e impiedoso choro. Voltou a apoiar na mão na cabeça, como que rezando. Ouviu vagamente o barulho dos filhos no andar de cima. Engoliu em seco e decidiu sair à rua: nenhuma das suas crianças a haveria de ver assim. Não levou casaco, embora fizesse frio naquela altura do ano. Não se importou muito, embora na verdade temesse uma constipação. De braços bem cruzados e passo tenso, enfrentou a rua, deserta como seria de esperar àquela hora. Ainda com uma lágrima teimosa no canto do olho, Marie ia ouvindo, das casas por onde passava, ora vozes mais elevadas, ora risos, discussões, pedaços de histórias, o burburinho que uma família faz quando uma família se reúne. Era como se na verdade não tivesse chegado a sair de casa. Era a sua família em cada casa, cada janela, em cada vulto que passava por detrás das persianas. Como poderia ela, Marie, mãe, não se sentir embevecida? Embevecida, como sentada à mesa entre os seus, sangue do seu sangue. Aquela era uma boa vizinhança. Gostava dela. Gostava daquele lugar. Dos seus filhos. Os seus meninos, adoráveis meninos. De Julliete, uma mulherzinha tão prestável a Jean, o seu pequeno, o último a lembrar-lhe a maternidade como quem dá a lição de uma vida. Como podia ela não se sentir embevecida? Como? Perdeu a conta ás vezes que calcorreou o quarteirão. Com um braço no peito e o outro ora segurando a testa ora tapando a boca, como quem reza. Perdeu a conta às vezes que a reza desembocava no pranto, e o pranto em mais caminhada. Não perdeu, contudo a noção do tempo: voltou a casa no fim de jantar. De olhos enxugados. Sorriso recolhido. Pierre à porta, esperava-a, com um ar completamente desconcertado. “Je suis arrivé et Je t’ai pas trouvé. Je suis concerne.” “Excuse moi, Pierre. J’ai mal à tête et J’ai besoin d’un peu d’air. Aprés, J’ai trouvé une amie…” “Les femmes, les femmes. Toujours, les mêmes…” suspirou Pierre aliviado, passando o braço sobre os ombros gelados da mulher, tirando-a da rua. Fazia frio e a Marie soube bem um bocado de calor. Assim como ser levada para a casa que conhecia como a sua mão pela mão do seu homem. Até ao luxo de entrar de olhos fechados se deu. Abriu-os, perante o primeiro passo no hall. Uma pergunta entrara-lhe sorrateira pela porta que Pierre fechava, entrando casa adentro antes que a fechasse. Porquê? Carregou-se, o rosto de Marie, por momentos. De tal forma que fechou ela a porta, com uma secura que inexplicavelmente passou despercebida a Pierre. Talvez o amor nos impeça de conseguir estar atentos a certos pormenores. Porquê? Boa pergunta, Marie.
Porquê?
O mês continuou, mas mais lentamente. Não apeteceria ao tempo, moer na sua mó, ou pelo menos não com muita pressa. E a cada novo dia, Marie deparava-se com aquela pergunta em cada ida ao supermercado, em cada espelho de casa de banho, na secretária do emprego, de cada vez que passava os olhos pela televisão, em cada beijo de despedida ao marido e filhos. E cada vez mais, era difícil reprimir o que sentia. Cada vez mais se desorientava quando face a face com aquele maldito “porquê?”. Marie encarava-o como aquele alguém que se conhece vagamente, que nos irrita solenemente e se gosta de ver ao longe. E esforçava-se por sorrir-lhe. Dia após cada longo dia daquele longo mês de Fevereiro. Volta e meia o sorriso fugia-lhe para o esgar. Porquê? Não sabia. Mas sabia que devia manter a postura. Aos fins-de-semana de manhã, quando Pierre e os miúdos ficavam até mais tarde na cama, ela ia para a cozinha adiantar o almoço e chorar à vontade. Levando a mão à testa, quase rezando a tudo que se fosse. Outras vezes, ao arrumar os quartos ficava subitamente séria, fitando uma ou duas fotos mais antigas. Rosto carregado e impassível. Nessas alturas não chorava. Não sabia porquê, e fechando os olhos com força, nem o queria. Fora isso, continuava a ser uma funcionária pontual e exemplar, a preocupar-se com a saúde de Pierre, assegurando-lhe invariavelmente a roupa lavada e a pasta do trabalho em sítio visível, a esperar o fim do dia para ver os filhos chegar a casa, a preparar refeições com carinho e a ajuda de Julliete, e a embevecer-se com a própria felicidade e daqueles que a rodeavam. Mas Marie, bem lá no fundo tinha um temor. Já nem tanto pela pergunta, mas assustava-a que pudesse ser a resposta.
Era sexta-feira. Parecia ser sexta-feira já à tempo demasiado, e enquanto esperava que chegasse a carrinha do infantário com Jean, Sébastian e Nicole, fitou aquele tempo um tanto sombrio, cheio de nuvens e a ameaçar chuva. Estavam atrasados. Pierre chegaria mais tarde por causa de uma reunião importante da empresa. E logo nesse dia que Marie já não suportava estar mais tempo sozinha. Ela, mais a casa e o mau tempo. Levou as mãos á cara e chorou como quem chove. Não se recordava de já ter chorado assim. Foi com alguma apreensão, portanto, que viu a carrinha do infantário chegar. Devia manter a postura. Ninguém a poderia ver assim. Ninguém. Porquê? Não sabia, ou não o sabia ao certo, ou não o queria saber. Recebeu os filhos e a desculpa esfarrapada do trânsito dada pela responsável para o atraso. Só a preocupava os filhos secos. Nicole resmungava do tempo e Jean chorava. Sébastian cumprimentou o vizinho, que entrava naquele preciso momento na casa ao lado e Marie sorriu pela reputada boa educação do filho. Porém, ali só lhe interessava os filhos secos e abrigados em casa. Fechou o sorriso, acenou ao vizinho e bateu a porta. Deu o lanche aos meninos, e de seguida pôs Jean no parque, mandou Sébastian e Nicole fazer os trabalhos de casa, e foi para a janela esperar a chegada de Paul, que deveria vir à boleia com Marc e o pai deste. Arrepiava-a o estado que o filho pudesse chegar senão apanhasse boleia. Trincou o lábio, e esperou. Uma eternidade em cada segundo e a sua preocupação aumentava. Paul lá chegou entretanto, saindo do carro e correndo para o alpendre. Marie olhou o relógio e viu que afinal só tinham passado cinco minutos desde a chegada da carrinha do infantário. Por momentos, parecera-lhe mais. Do alpendre, enquanto perguntava a Paul como tinham sido as aulas acenava ao pai de Marc, agradecendo-lhe a boleia. O senhor retribuiu o aceno com um sorriso, desaparecendo com o carro no meio da chuva. Marie meteu Paul dentro de casa, mandou-o trocar de roupa, e de seguida lanchar e fazer trabalhos de casa. E de novo, regressou à janela. Fazia-se tarde. Faltava Julliete. Como viria ela? Marie levou a mão à boca. Não se lembrara de confirmar como e com quem viria Julliete para casa. Com aquele tempo aterrador. Que raio de mãe seria ela? “Julliete, elle vient seule?” perguntou a Paul quando o viu passar no corredor. “Je crois qu’ellle vient avec la mére de Joanne”. Marie não conteve uma lágrima a escorrer pela cara, depois de a virar ao filho e esperar que fosse verdade o que ele lhe dizia. Não tardaria até que Julliete chegasse tão encharcada como Paul. Marie, ao ir recebê-la à entrada quis saber o motivo do atraso. Mas Julliete limitou-se a sorrir e a constatar à mãe que se limitara a chegar à hora de sempre. Marie olhou para o relógio: a filha tinha razão. Abraçou-a, beijou-a na face direita e pediu-lhe desculpa. “Te dérrange pas, maman. Pas de problème”, disse-lhe Julliete, olhando-a com benevolência e retribuindo o beijo. Entraram as duas. Marie deixou o rosto carregar-se, antes de fechar a porta para poder olhar a rua com desdém e temor. A porta estaria bem melhor fechada. Que Pierre não se demorasse muito tempo na reunião. Porquê? Aquele tempo metia-lhe medo.
Dispensou a ajuda de Julliete na preparação do jantar, preferiu que ela fosse fazer os trabalhos de casa. Assim que entrou na cozinha, o telefone tocou. Era Pierre. A avisar que chegaria algum tempo depois de jantar, e que seria melhor não contar com ele. Negociavam com uma velha raposa, que não se deixava ir com meias conversas e dali ninguém arredava pé antes de estar tudo bem resolvido. Marie compreendeu à primeira, mas Pierre queria deixá-lo bem claro. Começava até a ser enfadonho. “Pas de problème, Pierre.”. Mas para ele havia: odiava o facto de ser privado de jantar com a família. Só quando Marie disse que ou começava a preparar o jantar ou as crianças iam tarde para cama, é que ele se tocou e despediu-se com beijos para todos. Desligou. O amor de Pierre pela família tomava por vezes dimensões de cegueira. Cada um ama à sua maneira, pensou Marie, enquanto descascava as batatas. Uma gota de sangue caía na banca. Uma gota do seu sangue, mais precisamente. Distraíra-se e cortara-se com a faca. “Mérde.” Lavou a ferida. Fechou a torneira e o golpe não se fechara. Pousou a mão na banca e ali ficou. Ali ficou a tentar estancar a ferida. Porquê? Porque sangrava. Porquê? Porque estava magoada. Mas porquê? Porquê Marie? Porquê? E já não encontrou resposta. Não se conseguia lembrar de nenhuma. Não conseguia sequer perceber a pergunta. Seria assim tão difícil? Seria? Porquê? Porquê Marie? Porquê? Levou as mãos à cabeça. Deixou nos cabelos o sangue da ferida. Começou a chorar. Em silêncio. Só com lágrimas. Uma mão, levou-a ao peito e a outra levou-a à boca. Tapando-a, como se rezasse. Num pranto sem voz, contínuo. E ininterrupto. Limpou as lágrimas com a mão esquerda e pôs um penso rápido no dedo magoado. Voltou a pegar na faca para acabar o que tinha começado, mas em vão. Não conseguiu. Não conseguia. Porquê? Não sabia. E não queria saber. Arregaçou as mangas. Fechou o rosto e pegou numa caneta que encontrou e numa folha. Queria escrever. Mas de suas mãos só saíam “porquês?” e “famílias”. E não era essa a sua intenção. Não. Essa não podia ser a resposta. Não conseguia acabar o que tinha começado. Recuou dois passos, a medo. Pousou a caneta. As lágrimas voltavam de novo. Pegou desta vez num marcador. Foi até à porta e abriu-a. Ainda chovia e Marie estava aterrorizada. Chorava. Levantou o braço e na parte de fora da porta escreveu: “appellez à la police.” Fechou a porta. Entrou na cozinha, pegou na faca e decidiu acabar aquilo que tinha começado. Chovia. Deixara de chorar.
Subiu as escadas e entrou no quarto dos rapazes, onde estavam Jean e Sébastian. Jean dormitava. Sébastian veio pedir á mãe ajuda no trabalho de casa de francês. Marie vertia lágrimas em silêncio. Sébastian perguntou-lhe o que tinha a “maman”. Marie tinha uma faca. Levantou-a. Sébastian caiu. Rápido. Demasiado rápido. Mais rápido até do que julgara. Jean dormia ainda. O seu mais novo ali deitado mais parecia um anjo. Marie esforçou-se por não o acordar. Evitou soluçar, mas não conseguiu evitar dar-lhe um beijo. Levantou a faca novamente. Apagou a luz antes de sair do quarto, não queria ver o seu filho de 3 anos morto na cama, e o seu de 8 morto no chão, a segurar um caderno. O sangue deles cobria o seu avental. Se pudesse também o não veria. Entrou na casa de banho onde estava Nicole. “Maman?” O grito da menina de 11 anos perfurou a noite chuvosa. Marie perdeu o controlo sobre o choro e o soluçar. O sangue de Nicole escorria pela tijoleira da casa de banho e a sua mãe começava a perder o controlo. Ao abrir a porta, Marie deu de caras com Paul que a olhava completamente desorientado. Que se passava? Que faca era aquela? Que sangue era aquele? Que se passava? “Maman?” Marie de lágrimas nos olhos acenou que não e pela quarta vez levantou a faca naquela noite. Paul não mexeu um músculo. Quando caiu, caiu também ele, com lágrimas nos olhos. Os olhos que toda a gente dizia serem iguais aos de Pierre. Agora, apagados. Marie levou a mão à boca, na vã tentativa de controlar os gemidos. Tardaria ainda Pierre? Quando viria? Que fazer quando ele chegasse? “Oh mon Dieu.” Começava tudo a ficar confuso. Podia parar ao menos de chover. Mas não. Não! Agora ela tinha de acabar o que tinha começado. O rosto voltou a fechar-se e assim se dirigiu ao quarto das meninas, onde estava Julliete. Abriu a porta e um tremendo choque na cabeça e as luzes apagaram-se por momentos. Marie caiu, chorou e encarou a filha, também de lágrimas nos olhos, que lhe lançara com o candeeiro à cabeça. A custo Marie voltou a levantar-se, sem ousar largar a faca. “Ma petite…” “Tu va pas me tuer. Tu va pas me tuer!” “Ma petite…” “Non Maman!” Pela quinta vez Marie levantou aquela faca, mas pela primeira não matou ninguém. Julliete desviara-se e lançara á cara da mãe uma estatueta que tinha na mesa-de-cabeceira. Pela segunda vez Marie perdeu o equilíbrio e a visão. A estatueta acertara-lhe no olho esquerdo. Julliete tentou fugir. Marie agarrou-a. Julliete empurrou-a. A mãe soluçando. A filha gritando.“Tu va pas me tuer, maman! Tu va pas me tuer!” Mas Marie não conseguia articular a voz. Não conseguia. Preparava-se para voltar a erguer a faca. Julliete segurou-lhe na mão e tentou tirar-lha. Ambas choravam. “Tu va pas me tuer, maman… Tu va pas me tuer…” “Ma petite…” Marie começava a ceder. Deixava de ter forças para outra coisa que não fosse chorar. “Porquoi maman? Porquoi?”
Ambas choravam. Ambas choravam quando pela sétima vez naquela noite a faca de Marie fora erguida. Ambas choravam. Ambas caíram. Ambas, no sangue uma da outra. Julliete desfalecia. Marie achava estar na hora de acabar o que começara. Fechou os olhos. E não os abriu.



Alertados por uma série de gritos, os vizinhos daquela pacata cidade belga, e que tão bem conheciam a família Duchamps, acorreram à casa desta a fim de saberem o que se passava quando deram de caras com a alarmante mensagem “appellez à la police” escrita na porta. Por coincidência, havia quem já a tivesse chamado ao local. Rapidamente se entrou em contacto com Pierre, e menos de meia hora depois a polícia chegava ao quarteirão, entrava naquela casa e dava de caros com um dos mais macabros homicídios de toda a história da Bélgica. Aquela mulher, na casa dos 40, classe média alta, sem cadastro ou problemas clínicos matara os seus 5 filhos com uma arma branca e, ao que tudo indicava, tentara suicidar-se, embora sem sucesso. Rapidamente foi levada para um hospital. Bastava de mortes naquela noite. Ninguém sabia ainda quem ou como iria explicar a Pierre Duchamps o que se passara naquela noite, na sua casa, com a sua família.
No dia seguinte, por toda a Bélgica, em silêncio ou em voz baixa, houve uma pergunta que por diversas vezes viria a ser repetida: porquê?
Porquê Marie?

Porquê?