quarta-feira, dezembro 11, 2019

2019 em tops

Depois de em 2018 me ter lançado no mundo dos tops e retrospectivas, decidi repetir a brincadeira. No fundo, porque é divertido reouvir os álbuns fresquinhos que fizeram o meu 2019, explorar o que o artista a ou b andaram a fazer, hierarquizar os favoritos conjugando as minhas preferências com a sua relevância. Como há um ano, alerto que não tenho a veleidade de dizer que é a lista das listas, das melhores das melhores, das derradeiras obras primas de 2019. Não. Aliás, em Janeiro, com a anterior lista acabada de publicar, descobri Bombino e um álbum fantástico que lançou em 2018. Infelizmente, e mesmo com ferramentas como o Spotify e o Youtube, continuam a existir artistas que nos passam ao lado, e aparecem gloriosamente quando menos contamos. O que torna estes best ofs mais pobres, mas ao mesmo tempo a vida de um melómano mais excitante.
A  menos que os King Gizzard se lembrem de voltar a publicar um álbum em 31 de Dezembro, salvo douta melhor opinião, os melhores álbuns nacionais e internacionais de 2019 são os seguintes:

Álbuns Internacionais:

1. King Gizzard & The Lizzard Wizzard - Infest The Rat's Nest
2. King Gizzard & The Lizzard Wizzard - Fishing For Fishies
3. Lana del Rey - Norman Fucking Rockwell
4. Snarky Puppy - Immigrance
5. Tool - Fear Inoculum
6. Chelsea Wolfe - Birth of Violence
7. The Black Keys - Let's Rock
8. The Physics House Band - Death Sequence EP
9. Patrick Watson - Wave
10. Billie Eilish - When We All Fall asleep, Where Do We Go?


Menções honrosas: Elder - The Gold & Silver Sessions; Tinariwen - Amadjar, Pelican - Nighttime stories, Aurora - A Different Kind Of Human - Step 2, Russian Circles - Blood Year, Baroness - Gold & Grey, trentemoller - Observe, Slipknot - We Are Not Your Kind, The Cinematic Orchestra - To Believe, Amyl And The Sniffers - Amyl And The Sniffers; Summon The Fire - Trust In The Lifeforce of The Deep Mistery

Os álbuns internacionais foram muito menos cativantes do que é costume noutros anos não obstante os muitos comebacks, o que tornou mais bicuda a tarefa de avaliar a sua qualidade, nestes tempos de mercantilização da nostalgia. Destaco o aguardado regresso de Tool às músicas novas; apesar de nenhuma delas se destaca na sua icónica discografia, também nenhuma tem um fã que não a ansiasse ouvir, e todas são catalogadas com um selo de"quanto mais ouço, mais gosto". The Physics House Band marcaram o meu ano com um ep de altíssima qualidade entre o prog e o jazzy. Com sensivelmente meia hora, assumidadamente pequeno, conciso, a dar um cheirinho de novos clássicos para rasgarem em cima de palco, o que, I shit you not, vale muito a pena. Saudei o regresso dos Black Keys, bons demais para se limitarem a uma one hit wonder band, e com 3 ou 4 malhas que passam tão bem numa djset hipster como nas manhãs da Comercial. O que, goste-se ou não, impõem respeito. E mais ou menos se pode dizer da Billie Eilish, que agrada a gregos e troianos, novos e velhos, enche arenas e, pior, fica no ouvido. Snarky, Lana e Patrick Watson, por seu lado não sabem fazer maus álbuns. Os seus estilos são apurados e característicos, e voltamos a eles como a jantares com velhos amigos. Já Chelsea Wolfe relembrou-nos a razão pela qual é uma das coqueluches do rock internacional. O seu "Hiss Spun" ficou aquém do fenomenal "Abyss" (que herança pesada!), o que me deixou céptico em relação ao novo álbum. Porém, sem medo a senhora atirou-se ao folk gótico com canções como "Highway", "Mother Road" e "Deranged for Rock N Roll", que nos dão vontade de correr o Grand Canyon de carro com uma guitarra acústica no banco de trás. A prova de que o doom é quando a senhora quiser.
Mas quando os campeões voltam, voltam mesmo. Para a maioria das bandas uma pausa de 1 ano é um intervalo. Para os Gizzard é uma Idade de trevas, séculos de ausência, desesperança e morte. Que melhor forma de quebrar o marasmo com dois álbuns, quase de assentada, que não se levando muito a sério levam à mesa o tema mais sério da parada: a salvação do mundo? O Fishing For Fishies é mais comedido, groovie e fácil de esperar dos senhores. Uma nova demonstração de que estes Lord of The Riffs nem tem medo de pôr o povo a dançar, sem ter de cantar 10 mil vezes "Rattlesnake": "Plastic Boogie" e "Boogieman Sam" dão vontade de chamar a moça mais roliça de jardineiras vestidas e palha no canto da boca para vir dançar, enquanto trauteamos letras acerca do quanto estamos fodidos, a afogar-nos em plástico. Mas existem mais: "Fishing For Fishies" é uma fofura, e "Cyboogie" é adição pura, com o seu videoclip retrofuturista a levar-nos a questionar se os senhores não colaram o pistão de vez.
Nadar com peixinhos e micro-plásticos ao som de blues é bom. Mas moshar ao som de metal interplanetário é, e será sempre, melhor. Tudo em "Infest The Rats Nest" é fixe e desafiante. Um verdadeiro marco que só peca por alguma previsibilidade nalgumas músicas. A capa é uma referência à séria animada "Masters of The Universe", mais precisamente, ao trono do vilão Skeletor, esse malfeitor badass, com cara de caveira. Ironicamente (ou não), trata-se de um álbum de trash metal sobre questões ambientais. Mas não um trash reinventado, polido, intelectualizado: trash do antigo, quais Metallica adolescentes, mas a soar a King Gizzard. A aventura começa com o slogan de uma geração, sob o rufo de uma pedaleira dupla: não há planeta B. Daí partimos para uma viagem pelo hiperespaço, qual "10.000 Anos Entre Vénus e Marte" versão metal, e parece-nos que semelhante narrativa épica não podia ser contada de outra forma (desculpa Tio Cid). Evocam-se imagens de uma Humanidade, sem alternativa ou esperança, expatriada de um Marte para os ricos ("Mars For The Rich"), à procura de Vénus ("Venusian 1", "Venusian 2"), a vaguear num espaço infinito de detritos, rumo ao inferno. Lógicamente, a última música chama-se "HELL". Assim mesmo, em maiúsculas, do início ao fim. Pelo meio ainda há tempo para uma malha digna de desert sessions ou de estádios cheios: "Superbug".  Não esqueçamos os videoclips, com singles escolhidos a dedo, que contam uma história distópica tragicómica, bipolar e nonsense, que começa num massacre de idiotas e acaba num forrobodó technoviking ao som de gesso martelado.
No fim, os Gizzard não se levam a sério, mas levam muito a sério o que fazem. E enquanto o fizerem, o título de King ficar-lhes-á sempre bem no início do nome.



Álbuns Nacionais:

1. Solar Corona - Lightning One
2. David Bruno - Miramar Confidencial
3. Classe Crua - Classe Crua
4. Stereossauro - Bairro da Ponte
5. MUAY - SEMFIM
6. Loosense - Saloon
7. Capitão Fausto - A Invenção do Dia Claro
8. Emmy Curl - OPORTO
9. Chico da Tina - Minho Trapstar
10. Mão Morta - No Início Era o Frio

Menções Honrosas: Direwolves - Ask Me For Nothing, Pás de Probléme - The Shape of Party To Come, The Black Wizards - Reflections, Slow J - You Are Forgiven, Heavy Cross Of Flowers - Heavy Cross Of Flowers, 10.000 Russos - Kompromat


A produção nacional está boa e recomenda-se. Parece que foi noutra era, aquela em que cresci e se contavam pelos dedos das mãos os bons projectos portugueses, originais e bem tocados. Hoje em dia, há de tudo, do hip-hop à soul, ao folk, à música cantada em português, inglês, instrumental, até projectos de nicho convertidos em fenómenos virais.
Os Mão Morta não sabem fazer maus álbuns, e é tão bom voltar a ouvi-los com o seu crivo pessimista, entre sonoridades ambientais. Já o Chico da Tina entrou-nos pela internet adentro, e a sua originalidade  alto-minhota relou a concorrência. Uma paródia aos estereótipos do rap, ou um verdadeiro, à moda antiga, com orgulho na sua ascendência de festas populares, champarrião e profundos conhecimentos artísticos? A resposta é ouvi-lo em loop e tirarmos as nossas conclusões. E onde o senhor do triangle chest representa Viana, Emmy Curl canta o Porto como já tínhamos saudades que o cantassem. De forma eternecida e doce, a Emmy trouxe-nos um álbum carregado de saudade e maravilhamento por essa cidade que apesar de fria e resmungona, mostra que o mundo todo pode caber entre "Cedofeita" e os "Aliados", entre o "Passos Manuel" e as "Devesas", haja "Good Dancers" (lindy hoppers, quiçá) com coração para bailar a "Dança da Lua e do Sol". 2019 foi também o ano em que quebrei a cisma com Capitão Fausto e a sua aura de nova-promessa-indie-em-português-que-vão-substituir-os-Ornatos. Eu, pecador, me confesso: o que andei a ignorar? Esta banda é uma máquina de canções! Fáceis de trautear, com letras naïf à vista desarmada, e desarmantes à vista naïf. Ouvi-los é recordar como é fácil nos apaixonarmos e em "fazermos as vontades para agradar ao nosso amor". "Lentamente", "Certeza", e "Sempre Bem" são clássicos instantâneos, com a certeza de que há mais de onde esses vieram. Este também foi o ano em que conheci os Loosense. Bandas portuguesas em formato big band não são muito comuns, muito menos com a qualidade técnica e aptidões para as músicas groovy intermináveis, como é o caso. "Saloon" é álbum para rolar em festas, em chillouts, no trabalho, ou ao pequeno-almoço de torradas de pão de centeio com meia de leite. As influências de Snarky Puppy podem ser óbvias, mas isso nunca +e mau. Os MUAY são um bom exemplo de que há santos da casa que fazem milagres. Já peritos no seu post-rock ambiental, sem medo de soar simples, porque o simples nunca é só o que parece. As suas experiências de composição com sequelas, reinterpretações e reedições em cada concerto e álbum novos, têm um novo capítulo em "SEMFIM", onde repetem tudo de bom que já haviam feito, de modo a criar um encadeamento, cronologicamente não linear de músicas novas e antigas: ouvindo uma malha, até se pode ouvir todas, mas nunca se ouve definitivamente tudo de todas.
No que se refere aos álbuns mais rodados /antecipados do ano, o "Bairro da Ponte" foi uma escolha óbvia. A vantagem de ter sido lançado no início de 21019 permitiu-me ouvi-lo mais vezes no meu som sistema, e deu tempo a ouvintes novos para se ambientarem a uma (re)mistura de fado com hip-hop à velocidade morna de ritmos africanos. Claro que também há espaço para um "Código das Rua", com Ace, ou um irascível "Ingrato", com Nerve, mas a marca do disco está nas malhas como a doce "Flor de Maracujá", a esperançosa "Vontade de Deus" ou até mesmo no remix da "Verdes Anos", como se a saudade pudesse ter todas as cores do arco-íris. Na outra mão, temos Classe Crua que, sem cerimónias, faz spoil no nome: a classe de Sam, e a crueza de Beware Jack. O registo low-fi e nostálgico dos beats mistura-se como mel com a voz rouca do contador de histórias, e fica cravado na alma, enquanto damos por nós a coleccionar música após música nas nossas playlists, até que shieet! já ripamos o álbum todo. Assim se faz um clássico instantâneo. A terceira mão, não existe, mas se existisse tinha de ser inventada, como o último romântico de Mafamude, David Bruno, himself. Mestre na conceptualização do imaginário xunga, dB não pára de nos surpreender com a sua capacidade de storytelling do Portugal profundo que existe na sua amada Nova Gaia. Todo o hype que antecedeu "Miramar Confidencial" foi digno de um streammy, tal o seu comprometimento com a documentação da vergonha pública de Adriano Malheiro Caloteiro. Hype esse totalmente justificado na imortalizada ascensão e queda de um Ícaro lusitano em plena época das vacas gordas. Uma história dos nossos dias que queríamos ter tido os tomates de contar como ele a cantou, mas que nem nos lembramos a tínhamos dentro de nós até ouvir aquele "Bebe & Dorme". Fomos meros intervenientes acidentais, e adoramos.
Porém, o ouro da casa fica à bela osmose entre Barroselas e Barcelos que são os Solar Corona. "Lightning One" entrou em 2019 sem pedir permissão, acertou nas colunas como um raio (pun intended), e acaba antes de termos noção do que acabamos de ouvir. Rock puro, enérgico e estiloso, na boa tradição stoner, evocativa de desert sessions. Talvez por essa razão tenham optado pela velhinha cassete para o comercializarem em formato físico.  É um álbum pejado de coisas boas: riffs pesados mas orelhudos, teclados a dar tonalidades ora épicas ora ambientais, suspiros roucos a fundir-se com a distorção, um saxofone a coroar de doce malhas como "Drive-In" e "Speedway", que de tão aceleradas devem ser consideradas dopping em alguns países. Mas também não nos podemos esquecer-nos do groove assasino de "Beehive" ou "Love is Calling". Num tempo em que muitos passam atestados de óbito ao rock n' roll com uma leviandade confrangedora, ainda saem álbuns destes, que são lambada do início ao fim, no carro, ou no festival, na ceia com os amigos, ou no spotify do trabalho. Venham mais!



Bónus:

Melhores concertos:

1. The Physics House Band @ Maus Hábitos, Porto
2. Om @ Sonicblast Moledo, Caminha
3. Bixiga 70 @ Mimo Amarante, Amarante
4. Daughters @ Amplifest, Hardclub, Porto
5. Touché Amoré @ Amplifest, Hardclub, Porto
6. Orange Goblin @ Sonicblast Moledo, Caminha
7. Jorge Ben Jor @ NOS Primavera Sound, Porto
8. Godspeed You! Black Emperor @ Hardclub, Porto
9. Red Fang @ LAV, Lisboa
10. Nerve @ Pérola Negra, Porto

Menções Honrosas: Solar Corona @ CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, Guimarães; Lucifer @ Sonicblast Moledo, Caminha; Chico da Tina @ Mimo Amarante, Amarante; Muay @ Woodstock 69, Porto; Sons Of Kemet XL @ NOS Primavera Sound, Porto; Jambinai @ NOS Primavera Sound, Porto; Viaga Boys @ NOS Primavera Sound, Porto


domingo, dezembro 01, 2019

sink or swim

eu nado, como corro, como penso, como falo: a eito. os destroços dos obstáculos emaranham-se nas minhas articulações quando os atravesso. por essa razão as tenho todas fendidas. consigo adivinhar o mau tempo de amanhã, e arrasto comigo essas correntes auto-infligidas. ao quilómetro 10 já percebi que é difícil acompanhar-me com este peso. homens e mulheres mais inteligentes do que eu foram-me abandonando pelo caminho, e ora são felizes em corridas mais personalizadas. à minha vista desarmada. o meu percurso recto e inexorável amplia-me a visão lateral, e não me furto de olhar. é como uma droga. mais detritos se enredam nos meus passos. a herança é pesada. eu torno-me um obstáculo em mim mesmo, que não consigo ultrapassar. como é que alguém salta por cima de si próprio?
mas vou no quilómetro 10. nunca aqui tinha chegado. nunca tinha sido este eu. o tempo amanhã pode ser diferente daquele a que o meu corpo me condenou. há de haver algum sentido nisto tudo. os heróis ainda não foram todos inventados. estupidifico. mais vale não saber. só me dói a mim e não ao universo. ignoro. menos é mais.
prossigo.