quarta-feira, dezembro 26, 2018

Os melhores de 2018, lançados em 2018, ouvidos em 2018. Menos um.

Não sou habitué neste género de rankings. E dada a profusão e diversidade de música que actualmente se ouve, hierarquizar álbuns do ano afigura-se uma tarefa difícil. Por outro lado, é um exercício de memória e de escolha, que tem o seu quê de divertido. (Menos na parte em que percebo que todos os álbuns de 2018 estão invariavelmente condensados nos omniscientes servidores do Spotify).
Olhando às listas de final de ano, que pululam um pouco por todo o lado, não pude evitar o critério de escolher apenas álbuns lançados em 2018, e ouvidos este ano (ouvi-los em 2017 ou 2019 é cientificamente possível na presente data). Mas as escolhas deste ranking, não significa que as considere os melhores lançamentos de 2018, na respectiva ordem. A melomania é um trabalho a tempo inteiro. Tenho quase 100% de certeza de que ao longo dos próximos meses ou anos irei descobrir novos álbuns ou redescobrir um artista a que neste ano não dei particular atenção, e então me fará olhar para esta lista com condescendência e frustração.
Por isso, estas listas nada têm de definitivo ou absoluto. Apenas são uma reflexão sobre a música divulgada este ano, que me deu prazer em estar vivo para a ouvir.
E como em todas as regras, deve haver uma forma de as contornar, incluí um único álbum de 2017 na listagem global, e que, surpreendentemente (sem surpresas) chegou ao top 10. Afinal, se os King Gizzard conseguem a proeza de lançar 5 álbuns em 2017, é só justo que o ábum que lançaram em 31/12/2017 apareça nos rankings do ano seguinte.


Álbuns Internacionais:

1. El Efecto - Memórias do Fogo
2. Gallowstreet - Hot Lava Sex Machine
3. Jungle - For Ever
4. Nils Frahm - All Melody
5. Emma Ruth Rundle - On Dark Horses
6. Jaye Jayle - No Trail And Others Unholy Paths
7. Silva - Brasileiro
8. Uncle Acid And The Deadbeats - Wasteland
9. King Gizzard & The Lizzard Wizard - Gumboot Soup
10. Mac Miller - SWIMMING


Álbuns Nacionais:

1. Conjunto Corona - Santa Rita Lifestyle
2. David Bruno - O Último Tango em Mafamude
3. Nerve - Auto-Sabotagem
4. Astrodome - II
5. Ash Is A Robot - Return Of The Pariah
6. Diabo Na Cruz - Lebre
7. Filho da Mãe - Água-Má
8. Linda Martini - Linda Martini
9. Dead Combo - Odeon Hotel
10. Júlio Pereira - Praça do Comércio

idiossincrasias de contradições



Os meus braços nunca serão para sempre.
Sei-o, com a teimosia
de um labrego casmurro.
Os mesmos que falam com certeza absoluta
do mundo,
pelo que lêem nos desportivos,
que vêem nos documentários de história
e sentem no medo que têm aos estrangeiros.

Jamais serei a pessoa que preciso de ser.
Tenho de parar para ver o mundo sem consequências.
Sinto que carreguei um fardo a vida toda.
(A minha missão devia ser um dom, 
não um fardo.)

Apenas te posso beijar,
ver-te,
e sentir-te.

Todos os não são uma desculpa.
Eu tenho de pedir desculpa
por não ser a cura para os teus males
vastos como a Humanidade.
Apenas posso ser eu
reconciliado com o meu falhanço.

P. S.: No fim, ninguém te dará uma medalha por bom comportamento.

quarta-feira, novembro 21, 2018


Um piano e a escuridão da clareira.
Uma barriga empanturrada num casebre.
De cabeça, não se chega a conclusão alguma
De pé, à espera de um bom gosto
que dê decência à falta de amor.

segunda-feira, novembro 19, 2018

transacção



andaste meia ponte para me mandar embora
eu andei outra meia para dizer que não havia paixão.
regressamos aos pontos de partida
de lágrimas nos olhos.

quarta-feira, novembro 14, 2018

she eyes me like a Pisces when I am weak


lamento balbuciar onomatopeias e não histórias.
nada como uma boa história para encurtar distâncias.
como a que separa o teu sono da realidade, 
e a que te separa de mim.

segunda-feira, novembro 05, 2018

confronto a uma mão.

Neste silêncio as casas gritam. 
Podia também dizer assim: 
As tuas mãos segam na sombra 
Deixam a fruta madura à porta 
do coração.

- Rui Costa, em "A Nuvem Prateada das Pessoas Graves"

 

P.S.: Percebi agora que me roubaste a desforra. Seria novamente Mike Tyson contra um principiante, ou arrancar-te-ia uma orelha? Eu continuo a dançar, aos socos com a vida. Não é justo não medirmos forças, porque um está morto na vida, e outro vivo na morte.

quarta-feira, outubro 31, 2018

Ele não. Ele nunca.

Um dia não haverá um lugar sem cancro. Sem sujidade ou ódio.
Um dia não restará discórdia. Seremos unos na nossa miséria.
Um dia estaremos condenados. Nesse dia não teremos opinião.
Um dia chegará a nossa vez.
Sofreremos o que tememos anos a fio, quando paralisámos:
que o mundo fosse assustador.
Um dia ninguém se lembrará que vivemos no paraíso,
e deixamos o ódio consumir tudo.


terça-feira, outubro 23, 2018

óbvias. mas lições.

1. Só se desilude quem se ilude.

2. Ser-se demasiado boa pessoa é um problema.

3. As pessoas sensíveis estão condenadas a viver momentos difíceis neste mundo.

4. Antes de procurares outros para te completarem com as coisas que têm e te faltam, procura primeiro em ti essas coisas, e aprende-as.


segunda-feira, outubro 15, 2018

os nomes têm sombra?

dar nome é dar vida.
(dar à luz?)
caminho entre sombras,
logo,
estarei vivo.
caminhando ensombrado.
perdoa o meu nome.
eu peno
porque me condeno
e não por ser condenado.

quarta-feira, outubro 10, 2018

28 anos depois

Hall de entrada de um condomínio, entre o elevador e a porta, Estados Unidos. Joe Rogan, polémico nomeado pelo Partido Republicano, ensombrado por uma série de acusações de assédio e violação, preside à sessão. À sua frente, à direita, o candidato do Partido Republicano, à esquerda o do Partido Democrata. Ambos afinados pela mesma bitola, discurso, tom, moral e cara. O público, políticos, jornalistas e curiosos, escondiam-se nas sombras do campo periférico de visão. Eu, nervoso, frente a frente com o triunvirato de protagonistas, ia respondendo às suas perguntas e considerações sobre o meu carácter, com a desenvoltura e comedimento que a solenidade da situação me permitia. Não estava, de todo confortável. Timidamente em desespero, coloquei em causa a legitimidade do presidente do comité para me estar a inquirir, quando também ele falhara para com o povo e a lei. Nunca conseguira refutar, inequivocamente, as acusações que lhe haviam feito, e que não pondo em causa a sua competência, haviam aniquilado o seu bom nome e credibilidade junto da opinião pública, condições indispensáveis para o bom cumprimento do seu mandato. Os candidatos trocaram olhares apreensivos. Rogan respondeu laconicamente, comprometido e cansado, com a certeza de estar numa posição inatacável.
Entretanto, foi entregue um envelope a Rogan que o abriu, cautelosamente. O documento que lá se encontrava, desdobrado, revelava a letras garrafais RAIVA FEMININA. Rogan levou uns dedos trémulos à face, e envelheceu subitamente, enrugando, perdendo cabelo, que ficara grisalho, enquanto os olhos e a boca espumavam sangue. Num assomo de loucura, perante o pânico dos presentes, gritou-me: "O que importa se sou acusado, quando vou morrer?" E riu-se para mim. Uma gargalhada rouca e ensanguentada salpicou a minha cara.
Apenas tive tempo de fugir, já condenado.

terça-feira, outubro 09, 2018

curtas

são poemas com pessoas lá dentro.
mesmo quando são uma merda.
comprimidos pela azáfama do tempo
que a imaginação não nos nega.

quinta-feira, setembro 27, 2018

a meio caminho de monstro, para não precisar de amigos


"I'm a troubled man, changed by the things I do
True, but it's funny how they all remember you
It all could be different, time to do something new
I've given everything, I want to be a happy man too
Got to understand, blamed by the friends I lose
Who's getting outta hand, do you think they depend on you?
It all could be different, try to do something new
I've given everything, I want to be a happy man too

Buy yourself a dream, how's it looking?
Buy yourself a car and a house to live in
Get yourself a girl, someone different
Buy yourself a dream and it won't mean nothing"

segunda-feira, setembro 17, 2018

nobody can explain a dragon

"We cherish the old stories for their changelessness. Arthur dreams eternally in Avalon. Bilbo can go «there and back again», and «there» is always the beloved familiar Shire. Don Quixote sets our forever to kill a windmill... So people turn to the realms of fantasy for stability, ancient truths, immutable simplicities.
And the mills of capitalism provide them. Supply meets demand. Fantasy becomes a commodity, an industry.
(...)
Imagination like all living things lives now, and it lives with, from, on true change. Like all we do and have, it can be co-opted and degraded; but it survives commercial and didactic exploitation. The land outlasts the empires. The conquerors may leave desert where there was forest and meadow, but the rain will fall, the rivers will run to the sea.
(...)
We know a dozen different Arthurs now, all of them true. The Shire changed irrevocably even in Bilbo's lifetime. Don Quixote went riding out to Argentina and met Jorge Luis Borges there. Plus c'est la même chose, plus ça change.
(...)
So these are reports of my exploitations and discoveries: tales from Earthsea for those who have liked or think might like the place, and who are willing to accept these hypotheses:
    things change:
           authors and wizards are not always to be trusted:
               nobody can explain a dragon."

Ursula K. Le Guin, "Tales From Earthsea"


quinta-feira, setembro 13, 2018

chá e amor

"Mason: So what's the point? 

Dad: Of what? 

Mason: I don't know, any of this. Everything. 

Dad: Everything? What's the point? I mean, I sure as shit don't know. Neither does anybody else, okay? We're all just winging it, you know? The good news is you're feeling stuff. Y'know, and you've got to hold on to that. You do. I mean, you get older and you don't feel as much. Your skin gets tougher. The point is those pictures you took, thousands of submissions from all over the state, and you won. 

Mason: Well, I got silver. And nine other people did, too. 

Dad: I'm gonna kill you. I'm tryin' to tell you that I believe in you, Mason. I think you're really special, and if some girl doesn't see that, then fuck her, y'know?"

"Boyhood"

terça-feira, setembro 04, 2018

"a noite é fria e delicada e cheia de anjos"



não me lembro da primeira vez que me falaram de feist. lembro-me da primeira vez que fixei feist. foi quando lançou um split com os mastodon. quem é o cantautor que em seu perfeito juízo faz um lançamento típico de um artista de garagem com uma banda de sludge de nível mundial? alguém carismático, descobriria eu. com histórias para contar. com uma voz própria. que nem ponderou as possibilidades de se embrulhar em arranjos de harpas e violinos e saltar para a ribalta dos top 5 de tabela indie qualquer, que um ano depois não interessa a ninguém. feist é uma descoberta minha, uma voz minha da minha consciência. que delicada e vibrante fará sempre mais sentido entre barbudos tatuados e destroços de guitarras, do que numa infantil utopia amorosa.


quinta-feira, agosto 23, 2018

7 billion people all alive at once


velho e louco
carrego cacos de amores às costas
como uma tartaruga genial.

um pedaço de praia
e uns óculos escuros à frente dos olhos
ensinam-me o pouco que quero aprender.

comer bem, beber bem,
treinar bem, viver bem.
e ser um grão de areia no nonágono infinito.

terça-feira, julho 24, 2018

"nem tudo o que cai do Céu, é sagrado"


"Qualquer palavra do homem que te enviou é uma benesse para mim e para o seu portador. E prefiro receber más notícias de um homem honesto, do que mentiras de um lisonjeador."

- Ursula K. Le Guin, "Num Vento Diferente"

terça-feira, julho 17, 2018

fórmulas erradas



o meu delicado sentido de equilíbrio endureceu
desequilibra menos. nem mexe.
eu só quero uma oportunidade
de fazer funcionar esta rigidez de corpo e coração.

quinta-feira, julho 05, 2018

cold light of morning

O despertar e uma certeza clara como um relâmpago. Um "no ínicio era o Verbo", particular, a erguer-se determinado e seguro como a ideia que madrugava: ela promete amor mas não te ama. É tudo mentira. A luz do dia espraia-se sobre os seus tenebrosos contornos, desmascarando o truque. Antevê-se a vitória, a excitação aumenta.
Em simultâneo com a clarividência de ideias, o corpo arrasta-se, em resposta a estímulos obscuros, como o sexo e o sono. Reduzido a instintos de sobrevivência, empurra-se para a casa-de-banho, para a cozinha, para o trabalho. Para a próxima conquista. Naquele dia, o corpo acordou sem a mente. E a mente viu-o, particularmente, animal.
Mas o dia, como os homens, segue o seu caminho. Amadurece. E cansa-se. Com as horas, aproxima-se da noite, e a penumbra volta a envolver as ruas iluminadas do futuro. Aos poucos, corpo e mente, diluem-se outra vez um no outro.


domingo, junho 10, 2018

song for t.



apenas mais um dia. após outro. um de cada vez.
puxar gotas de vida do fundo do poço.
forçar a vista a focar-se na certeza dos materiais,
da química, da física, da psicologia.
para concluir que tudo é o que é
e nada mais.
um lembrete de que todos os heróis
já foram inventados. e não existem.
dia após dia, apenas um esforço titânico,
um Tântalo condenado,
uma cadência infinita:
a dor.

terça-feira, maio 29, 2018

longe do coração


"no sleepwalking, 
don’t keep me apart
I’m through sleepwalking, 
God be in my heart

no more sleepwalking, 
been asleep too long
no more sleepwalking, 
keep me with you God"

quarta-feira, maio 23, 2018

e se tivermos percebido tudo ao contrário?
na verdade, nada fosse em vão
e apenas o orgulho nos estivesse a foder?
nós, orgulhosos, feitos para amar e fugir.
tu mais para amar, eu para fugir,
não o contrário.
É apenas o orgulho que nos impede de ser como queremos.
A amar e fugir quando queremos.

segunda-feira, maio 21, 2018

quinta-feira, maio 10, 2018

segunda-feira, maio 07, 2018

i love you, i'm going to blow up your school - pt. 1000

ouvir post-rock até ao limiar das lágrimas. que só páram porque o mal é amor. e não se ama ninguém.
burro velho não aprende línguas. faz a mesma merda vezes sem conta.
ama o que não quer, e quer quando sabe que não pode ter.
discute possibilidades infinitas na cabeça e com o interlocutor.
(sim, interlocutor, paixões e amizades não se aguentam a este nível de confusão)

talvez apenas esteja a precisar de verbalizar.
e fugir.


sexta-feira, maio 04, 2018

dos dramas universais: amor-veneno


"Since you're gone, I sat at home
Wonder why, no I'll never be free
But the thought of you
Goin with another guy
No, it could never be me
You took a ring and pawned our love away
What can I say, I am left behind
So I take a drink, another cigarette
I can't forget that you once were mine

What can I say?
I guess it wasn't meant to be
Now you're gone
It's just, your love is like a drug

It's been so long
Your folks have bet you gone
I know that you're alive inside
So I hope and pray you won't throw this love away
I just wish that you still were mine"

P.S.: Um dos dramas da sociedade hodierna, é conhecido commumente por amor-veneno: um afecto, que longe de ser obsessivo, é aditivo e prejudicial à saúde, física e psíquica dos respectivos utilizadores. O que noutros tempos era simplesmente denominado por "sofrer de amor" ou "amores desenencontrados", sofreu uma evolução interessante com o progressivo aumento de interconexões entre as pessoas, tornando hercúleo, se não mesmo impossível, o processo lutuoso da quebra de contacto, ora transformado num viciante sado-masoquismo emocional.

sexta-feira, abril 27, 2018

Bon voyage, filho da puta!


"O comportamento é uma forma de egoísmo, um meio de auto-protecção tornado necessário pela força dos nossos desejos. (...) Na curiosidade não há virtude. De facto, a curiosidade pode tornar-se o desejo mais imoral que um homem pode sentir." 

Yukio Mishima, "Confissões de Uma Máscara"


P. S. (late night ideias para guiões & mais um diário de folhas esgotadas)

terça-feira, abril 24, 2018

Tarantino is my co-pilot



pensa que elas também gostam de ti por seres assim. pançudo e bronco. anti-hipster, e piadético.
como tu gostas delas de palavrão na ponta da língua e um fraquinho pelo abismo. tendências para o melodramatismo.
no fim (porque há sempre um fim), sobras tu, com um solo de guitarra na cabeça, óculos escuros à frente dos olhos à bad ass. a acabar, acaba de olhos levantados.
a sorrir, como se soubesses algo que mais ninguém sabe.

"Triple lindy out the Jeep, land into a split
Get up in the spin, doggie, I’m the shit!"

segunda-feira, abril 09, 2018

"O demónio mora ali na porta em frente à porta em frente à minha."


- ambrósio, apetece-me escrever algo. 
- mas você não sabe escrever, senhora. você é péssima.
- então quero foder. foder contigo, ambrósio.
- senhora, tomei a liberdade de me foder sozinho.
- quando aceitaste trabalhar para mim fodeste-te à partida.
- estou bem ciente, senhora. foder-me é a própria definição da minha existência.
- estás aqui para aliviar a minha frustração, ambrósio? de ver alguém eternamente fodido, a compensar pelo falhanço dos meus sonhos?
- de certa maneira. senhora.
- bravo, ambrósio. não tenho jeito para escrever, e não.

quinta-feira, abril 05, 2018

projectos adiados


"You might catch me in Atlanta looking like a boss
New Orleans and then Miami, party in New York
Texas I be screwed up, Chi town I be really pimping
But nothing like my hometown I’m forever living"

quarta-feira, abril 04, 2018

o monstro precisa de amor


lamechas e pobres
as tuas desculpas para não seres feliz,
e que repetes para justicares
não ires para onde toda a gente te diz

tu só não vais por ali
porque te acorrentas à quimera
de uma paixão que não vem
que não volta, não é e já era

aqui, não somos diferentes.
aqui, estamos condenados por igual.
a esgravatar, um no outro, o nosso mal:

o meu fracasso, e o que não sentes
mas procuras nos de melhor coração.
a nossa aliança nunca nos garantiria salvação.





terça-feira, abril 03, 2018

o conceito por detrás de "piça de merda nenhuma"

contava-te no outro dia sobre cuspirmos merda à cara um do outro quando falávamos, e enquanto falávamos nos entendíamos.
na verdade, não nos entendemos por falarmos, mas por nos expressarmos. o diálogo caústico é apenas uma parcela da conta.
falar requer comunicar de forma próxima. nós estamos presos por cordas aos nossos passados e nossos medos, quais espadachins rabetas, sabre de arame em punho aos passitos para a frente, ora aos pinchos para trás. indecisos entre atacar sem magoar e recuar estrategicamente, com a cabeça fora dali. na verdade, esquece a metáfora: não existem lutas de esgrimistas degolados. nós não existimos um para o outro.
existimos para fantasmas do passado, de quando não éramos quem somos agora.

(não há música. nem etiquetas. para o caralho com isso tudo)

quarta-feira, março 21, 2018

"Caminhando sobre as brasas dos cadáveres no chão. / Sinta a mente esvaziada, toda dor é uma ilusão."


"Todos dizem que a vida é um palco de teatro, mas poucos são os que ficam obcecados com esta ideia, pelo menos tão precocemente como eu fiquei. Desde os últimos tempos de infância que eu estava firmemente convencido de que assim era e que eu próprio teria um papel a desempenhar nesse palco, sem nunca ser obrigado a revelar o meu verdadeiro eu. (...)
Com algum optimismo, pensava que, terminada a representação, corrido o pano, o público jamais veria o rosto do actor sem maquilhagem. A ideia de que havia de morrer jovem confirmava essa convicção. No decurso dos tempos, porém, esta previsão optimista, melhor dizendo, esta quimera, veio a revelar-se uma cruel decepção."

Yukio Mishima, "Confissões De Uma Máscara"

segunda-feira, março 19, 2018

tira a mãozinha daí


"We swim the sea of suffering
Bathed in the joy of our black pain
Hüzün, hüzün I call your name
I know you know we are the same

He needs her closer
(Like anybody else)
And she's longing, too
(Like anybody else)
But she's made her mind up
(Like anybody else) and it's
Not for you"

sexta-feira, março 09, 2018

love me or leave me



apaixono-me com mais violência por músicas e álbuns, do que por pessoas. ouço-os com paciência. canto para eles, quando estou nas nuvens de embevecido. não discuto as eventuais desilusões; antes as entendo como sinal para seguir em frente. rumo a uma nova aventura.

terça-feira, março 06, 2018

a hard rain's a-gonna fall


"Eu vi a luz do rei
Eu vivia a lustrar a espada do rei
A espada do rei, do fio afiado, que fere o escravo, o servo e o plebeu
Que são meus irmãos, que sou eu

Pra cada tronco um machado
Bem-vinda revolta cresce
Se quem bate mal se lembra
Quem apanha nunca esquece"

segunda-feira, fevereiro 26, 2018

regresso ao passado

"Terá sido o tema dos anos seguintes- «esse remorso como antevisão do pecado» - que pela primeira vez me tocou? Ou será que este momento me sugeriu quanto ao meu isolamento, parecia grotesco aos olhos do amor, e, simultaneamente, pelo reverso da medalha, me revelou a minha incapacidade em aceitar o amor?"
Yukio Mishima, "Confissões de Uma Máscara"



Nova canelada atira-me para nova peregrinação. Busca de um sentido perdido, nos trilhos da infância. Quando o pôr-do-sol durava dias. Onde cada árvore tinha um nome. Esse tempo é um refúgio que me atrai como o mar. Devias vir comigo ver como tudo desse tempo e lugar mingou e arruinou. Com eles os meus princípios e sonhos. Impiedoso é o futuro. E o futuro é tudo o que existe. Tardo, ainda não cheguei, ao futuro que será o passado de alguém. Só essa caminhada me motiva a pôr um pé à frente do outro.

terça-feira, fevereiro 20, 2018

demasiado boa pessoa

Determinado dia, no quartel da guarda, ao ver um chegar o meu avô, um biltre fardado comentou "vem aí um que é sério demais". O, então, jovem Cardoso estacou, perguntou se a boca era para ele, e face ao emudecimento do artista, vociferou-lhe "não existe ser-se sério demais. ou se é sério, ou não se é sério!"
Em tantos anos de histórias do velho guarda, tinha-me escapado esta sua preciosa lição: como bem responder a um insulto disfarçado de elogio.

domingo, fevereiro 18, 2018

porta-te como um homem

"I wish I just had the balls to turn around and be like: «Dude, would you shut the fuck up? Jesus Christ! Be a man! Push it down! Push it down, deny your feelings, act like you have answers. Do some man shit right now!"
Bill Burr

domingo, fevereiro 11, 2018

I'm paralyzed, I'm paranoid, out of my element: I prefer the muddy water


as cordas vocais são afluentes de esgotos
cuspimos merda à cara uns dos outros
a falar, a gente entende-se
os meus pais criaram-me pessoa de bem
numa terra de mal
o nosso idioma é asco e amargura
somos exímios a dizer à boca cheia
"o teu amor não vale nada" e
"estimo bem que tu te fodas"
será para o lado que não dormiremos melhor


sábado, fevereiro 03, 2018

novos guarda-chuvas se alevantam

ultrapassar-me pela direita em plena passadeira denota audácia. ou displicência. atributos comuns num miúdo de 12 ou 13 anos. alheio às regras de etiqueta  de trânsito para peões, distancia-se em passada larga. guarda-chuva em punho. costas direitas. lança um olhar, ao mural de homenagem aos escritores que visitaram a terra, o tempo suficiente para registar a solenidade e confirmar que não conhece nenhum dos "laureados".volta a olhar em frente: tem um propósito, tem um destino, e tem os meios para os atingir. às costas uma mochila, com autocolantes de clubes desportivos amadores e super-heróis de renome, em quantidade e disposição inteligente. o miúdo tem bom gosto, e sabe o que faz. nos pés umas nikes pouco exuberantes, mas modelo todo o terreno. de guarda-chuva na mão, ele sabe que pode ir a qualquer lugar. na minha modesta opinião, faltavam-lhe uns fones nos ouvidos: um homem em missão tem de reconhecer a necessidade de uma boa banda sonora.
lembrei-me de ser assim. ou de querer ser assim. jovem e livre. com o todo o tempo do mundo para fazer sentido nas minhas pequenas imagens de marca, escolhidas a dedo ou pelo acaso. determinado a ser feliz, ou a chegar a horas a uma partida de cartas magic, tendo, para tal, de atravessar um dia de chuva. chuva essa tão fora de moda, nos dias que correm.

quarta-feira, janeiro 31, 2018

primavera árabe

"A revolta das massas cegas nunca ultrapassa o nível da mera imitação. Na esperança de evitarmos os perigos que ele corria, beneficiando apenas do lado mais agradável da revolta, não imitávamos em nada a astúcia de que Omi nos dava exemplo, excepto no que respeitava a peúgas."

Yukio Mishima, "Confissões de Uma Máscara"





sexta-feira, janeiro 19, 2018

essa flor perene


baladas do morte lenta motel.
playlists tardias no carro, alemanha dentro.
queria ficar acordado até ao fim de tudo
antes de esquecer o corpo
antes de perder o corpo.
lembrar-te é sofrer.
é viver.