terça-feira, março 23, 2021

A reter

 De onde tinham vindo os eucaliptos?

O pai plantara-os na sua ausência, durante a recruta. Mas, confrontado, o velho negara. Os eucaliptos sempre ali tinham estado, dissera-lhe. Que já o seu paizinho os havia plantado, e que ele se limitara a acrescentar mais alguns. Era árvore que crescia rápido, e garantia bom dinheiro. Ele discordara. Não se lembrava daquelas árvores ali. Iam secar tudo. As pereiras, as nogueiras, a horta. Iam dar cabo do quintal do avô. O pai mandara-o deixar-se de merdas.

Pela primeira vez, desde que se lembrava, sentira o terrível poder da mudança. Inelutável e irracional. Avassalador triturador de memórias, que se tornavam cambiáveis por dinheiro. O refúgio idílico da sua infância era e não era ao mesmo tempo. Todos os dias o esperava, do lado de lá da rua, quando acordava, com uma cara e nome novos que nunca mais poderiam ser alterados.

Reprimiu o que sentia com mestria, como aprendera em casa e na tropa. Por pouco não vertera uma lágrima. As boas memórias já não existiriam no mesmo plano da realidade. Apenas a mudança e as suas consequências eram certas. Quem não mudasse nada, seria mudado. Aprendera a lição à primeira. Fora sempre bom aluno.

sexta-feira, março 12, 2021

A looser, a drunk and old man walk into a bar

Voltou a entrar no café. O pai via o noticiário da manhã de braços cruzados atrás do balcão, com a sua postura hirta e desconfortável. O Manel ria-se com os seus botões, entretido a fazer perguntas retóricas sobre tudo e mais alguma coisa. Os camionistas já tinham saído. A tijoleira do chão ressoava, por causa do nevoeiro. Estava um frio desgraçado e todos eles vestiam casaco dentro de portas. Portugal era mesmo uma merda.