sexta-feira, março 20, 2009

lie lie lie

ele fumava infantilmente um comprido cigarro, do tamanho da sua perna a meia haste, paciente. estava sem dúvida fora de jogo. um banco em quase tudo semelhante ao do futebol: via com a clareza e imparcialidade possíveis o jogo que rolava à frente dos seus olhos. posssíveis, não as desejáveis. via esses lobos de meio sorriso, escondidos na rectidão dos seus colarinhos de camisa, planeando a manada do futuro. via à sua esquerda, petiscando, palrando, a manada do futuro, longe de se saber tal, sequer. questionou se poderia estar errado, se algum daqueles palpites de ovelha pudesse um dia agigantar-se num qualquer destino social decisivo. mas não, não lhe pareceu. demasiada inocência: gigantesca força e fraqueza. ao fundo, camuflados no fumo da rotina e do churrasco, os homens comuns. os que afirmam posições, formam movimentos cívicos, marcam os golos da vitória que fazem subir de divisão clubes amadores, os que nunca vão deixar a família ir quando lhe deitarem na mão, em suma, os que rindo a rir, podem fazer coisas. e fazem. com a mesma naturalidade que não fazem. o fumo saía-lhes da boca como quem declama: ele cuspia o seu na esperança, sabia-no no fundo, de ser um dos deles. a verdade doía-lhe na perna: sabia que nunca o seria, nunca como o queria ser. nunca como eles eram. por isso não jogava. por isso o banco era o seu campo. viu entre os lobos e a fumarada quem ideologicamente se situava entre o homem comum e a comum manada. ovelhas com garras de lobo? sim. ele pensou nisso. percebia que não seria por mero acaso que acolhiam a manada com braçadas vigorosas no ar, balindo berrando e correndo, mas não se misturavam. a prova ali estava: à margem, aqueles dois exemplares pouco vulgares pensavam um com o outro. sem estratégias. ou cartas. líderes tribais de coração mole e honesto numa qualquer época enregelada do passado, ou do futuro que por vezes parece tão primitivo. à sua direita, desalentado, brandindo no queixo o último sorriso que uma pouca fresca última cerveja da noite tinha para dar, um rapazinho de um outro lugar, quase de outra história, quase de outro post de outra net, amansava a sua incompreensão com umas raparigas também elas à margem de todo aquele teatro, de cabeça baixa. cada um com seus olhos em cada seu chão, ele sentia-se irmanado daquele rapaz que naquele momento não o via, fosse do álcool, fosse do que fosse. à maneira própria de cada um, sabiam que aquilo era tudo a fingir. uma palhaçada. e que a melhor maneira de sobreviver àquele teatro feito de caninos ensanguentados era fugir. e ligar muito pouco e a muito poucos do que para trás ficasse e ficassem.

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