segunda-feira, setembro 17, 2012

"O milagre que espero está-se a demorar muito. Bate o carteiro à porta, o coração dá-me um baque, mas são prospectos; vejo um livro novo nas montras, abro-o com sofreguidão, mas é palha trilhada; o grito do rapaz dos jornais entra pelos buracos da casa, corro à janela cheia de curiosidade, e são discursos que leio. Apesar disso a esperança continua, porque não posso viver sem esperança, e quero viver. Não se vem ao mundo para morrer às mãos dum carteiro, dum literato ou dum político. Chega-se aqui com o alto destino pessoal de preencher um lugar onde nenhum outro ser vivo nos pode rigorosamente substituir. A nossa mobilidade dá-nos a ilusão contrária, de que nem estamos nem somos fatais em sítio algum. E eu, pequeno arbusto que deambula, não fujo à regra. Aguardo a cada instante uma aventura. Mas a minha grande façanha sou eu próprio a lutar neste quotidiano, a dar uma flor entre os espinhos, a ocupar o meu espaço com a diligência com que um bicho qualquer ocupa o seu."

- Miguel Torga




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