quarta-feira, setembro 30, 2015

MASTER AND COMMANDER


Há algum tempo que não escrevo sobre futebol neste espaço; a vitória do Porto, tornou urgente mudar esse facto. Trouxe-me a comichão nos dedos e a ansiedade ao peito que revelam a maior das comoções, que o futebol tem o condão de provocar. Mas não pretendo desfiar sobre tácticas, jogos entre linhas, cadernetas de cromos ou outro desses temáticas que pululam um pouco por toda a internet. O que pretendo é declarar a minha "paixoneta" por André André, o Cinderella Man do momento.
André André tem tudo o que um fervoroso adepto portista pode ambicionar e dá-lhe até mais do que podia sonhar. Começa pelo nome: um dos nomes mais fantásticos dos últimos tempos (na I Liga, só fica atrás de Fransérgio), que fica no ouvido, apetece comentar e gracejar com ele, só por existir. Há toda uma mística que nasce quando um mero nome não nos deixa indiferente. Depois temos o legado do pai, um lendário todo-o-terreno portista com um currículo de títulos do tamanho do pulmão dele, quando o futebol era durinho, os jogadores não se mediam pelos nomes nas camisolas e quando se mediam, não se vergavam. A história do André Jr. então dava um filme (se é que já não há!): pai na estrutura do Porto, onde só faz uma época nas camadas jovens e é reenviado para o Varzim, clube da terra e onde fez formação; o Varzim por aí abaixo e subsiste numa luta pela sobrevivência entre II Liga, CNS e distritais, mas André destaca-se e consegue chamar a atenção do Vitória, também ele debilitado financeiramente; André pega de estaca, cimenta uma equipa com a sua inteligência ímpar do jogo e o espírito de líder, ganha uma Taça de Portugal, chega a capitão, e consegue ser uma das figuras do campeonato num clube que não sabe se fica nos 5 primeiros lugares ou tem de lutar para não descer; e só já depois de passar a linha dos 25 anos, e qualquer agência de rating desaconselharia uma loucura por semelhante jogador, eis que o Azulão deu a mão à palmatória e recuperou o filho pródigo que nunca devia ter deixado partir. Com 26 anos já é fácil rotular um jogador de velho para o Porto, mas ao André só dá vontade de o abraçar porque traz a maturidade de quem já viu  muito futebol português e muito Porto.
Resta o presente, aquela vontade de comer relva mesmo quando não sabe se é ou se vai continuar a ser titular num meio campo com mais opções do que o dobro das posições; mas ele também tem uma raça com o dobro de um jogador normal, como se percebe pelo nome (não resisti). É que além disso, os nossos ouvidos são constantemente martirizados com "toca André André, corta André André, golo de André André" e parece que estamos a ouvir uma lengalenga, ou que algo não está bem com o relato. Mas está! É que o rapaz está mesmo em todo o lado. E ninguém se atreve a dar-lhe esse palavrão de "jogador-vagabundo", que joga onde lhe apetece; não, o André joga onde é preciso. Mais, joga e faz jogar (a meu ver é o patrão que faltava no meio campo do Porto desde que o Moutinho saiu), marca golos porque está sempre onde é preciso, qual ponta-de-lança (e tem o sangue frio que alguns pontas-de-lança de queixo grande e são vendidos por 30 milhões de euros não têm), é dos primeiros a defender, a cometer aquele amarelo cirúrgico, ou o corte imperial que lança o contra-ataque.A cereja no topo do bolo é a sensação boa de que aquele jogador só podia jogar ali: o profissional de futebol tem de estar pronto para jogar em qualquer lado, ainda que não seja no clube do coração, mas aquela alegria não estaria ali de outro modo, nem aquela vontade de dobrar o mundo se fosse preciso para chegar mais depressa à outra baliza. Porque o André André é mais do que um jogador portista, mais do que um jogador que sente a camisola, e muito mais que um jogador com anos de casa. O André André é um jogador à Porto. Que desde o primeiro minuto de Dragão ao peito, até ao último que pisar em campo, vai ser um homem de corpo inteiro, uma espinha só, direita e inquebrável, líder e trabalhador, irracional nas paixões e cerebral nas acções, acima de tudo irredutível na vontade de superar tudo, porque o mundo não chega para o impedir de chegar onde deve estar. Sem empresários, sem cunhas, sem clubes de piça na Romérnia, no Chipre ou caralho a quatro, pelo meio.
Apaixona-me no André André, além do seu jogo e da sua história, a sua celebração de um futebol sem holdings franchisadas de offshores, de percentagens de comissões por cláusulas de rescisão do tio do agente que é advogado num fundo de investimento, ou outro elaborado esquema financeiro que substitua o mérito pela influência dos representantes. O André André é um jogador como os que existiam no tempo em que os clubes de futebol tinham jogadores de futebol, e não activos financeiros ou profissionais do marketing e da especulação. Um futebol mais genuíno e mais apaixonado, como aquele que ainda se vê pela II Liga, no CNS e em alguns clubes amadores. Se quem joga futebol não te arrebata como tu arrebatarias se estivesses no lugar deles, então ver futebol serve para quê?
Por fim, até a alcunha lhe assenta. "Guerreiro" seria um epíteto facílimo de lhe colar, "Conquistador" um bocadinho óbvio, e já há o tenista e um rei que o usam, agora "Mestre" é pô-lo no patamar da cancioneiro popular, aquele que sobrevive a gerações. Como sobrevive o que jogadores como ele são capazes de fazer, não importa quantos vaidosos e presunçosos cheios de brincos, tatuagens, álcool no sangue, coca nas narinas, e dinheiro na conta, achem que são capazes de fazer melhor sem o fazerem.
Obrigadão Dr. Dre! Vemo-nos em casa do Osvaldo!

Nenhum comentário: