sábado, junho 11, 2011

da "garra indomável" e outras considerações

Não serei propriamente o típico homem do interior (uma vez que para todos os efeitos a minha cidade natal é no distrito do Porto, a meros 30 km do mar), no entanto, julgo-me mais ou menos capaz de compreender a realidade de um, bem como à "garra indomável" que Cavaco Silva recordou. Cavaco tornou-se muito revivalista: relembra o mar, a agricultura, o interior, tudo pastas cujo estado actual de coisas devem ao seu cunho. A desertificação do interior (a par da reciclagem, defesa do ambiente e outras baboseiras que tais) é algo com que sou confrontado desde os bancos de escola. Como tal, algo com que fui solidário desde que me lembro. Sempre julguei que não houvesse grandes discórdias quanto aquele tópico, por ser facilmente comprovável, no entanto, existe um snobismo latente que impossibilita que se ataque as causas do problema. Diz-se: o interior é bonito e as pessoas do interior são lutadoras; ao mesmo tempo desdenha-se que o interior é aldeia, e as pessoas do interior são incultas. Vá se lá saber porquê, o país cultivou uma admiração muito parola pelo seu interior, só apreciando a sua beleza pelo carácter de postal turístico, pelo potencial fotogénico para telenovela. No fundo o interior, e as suas gentes são tão bonitos, quanto um leão no jardim zoológico. Chegamos a uma altura em que já vemos de tudo: hotéis de 5 estrelas no Douro vinhateiro para aumentar a oferta de turismo, gente que menospreza tudo quanto ao interior diz respeito a avançar com teoremas para a sua preservação. Mas tudo isto é válido, ainda assim. O que na minha opinião urge combater é este sentimento de que o interior serve para agricultura, que as suas gentes são uma cambada de lavradores iletrados, que só merecem a nossa atenção por serem coitadinhos ou não saberem cuidar deles próprios. Porque isso é um erro tremendo. Mais ou menos simples, mais ou menos letrados, mais ou menos genuínos, mais ou menos íntegras as pessoas do interior não são extraterrestres, tão pouco débeis mentais, e descobrem um caminho, uma forma de sobreviverem ao esquecimento que lhes devotam. Como ao longo do século XX o fizeram para fora deste rectângulo maldito. Ninguém espera que num país onde a chica-espertice ainda recebe mais louvores que o esforço se perceba a importância de lutar por uma parte do país que há décadas (mais até?) está esquecida. Agora, dispensam-se discursos de coitadinho: o que as pessoas do interior não querem é que as continuem a tratar como portugueses de segunda. Talvez quando este ponto ficar assente, se possa começar a tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente sem falsos paternalismos

4 comentários:

Francisco disse...

Gostei de ler isto.
Sugestão para outra reflexão: o porquê da mesma admiração parola de 80% do país por uma personagem inócua, absolutamente vã como Cavaco Silva. (achega: Cavaco Silva cultivaria a mesma admiração parola por um Cavaco Silva igual a ele)

Street Fighting Man disse...

ontem estava a discutir isso mesmo com o meu pai. perguntei eu: terá a ver com o culto do fiscalista sério e austero? ao que o meu pai responde: se ao menos fosse sério...

D. disse...

O presidente tem repetido várias vezes o mesmo tipo de discurso, com os mesmos destinatários, etc... O que me entristece de ver no interior (mais concretamente no alto douro vinhateiro e no tua, pois são as zonas com que tenho tido mais contacto), é ver que chegam os de fora e se arrogam donos daqueles lugares desde que seja possível potenciar-lhes dividendos. As pessoas que lá vivem e vão viver para sempre, essas, vivem em condições de miséria terríveis, tanto sociais como educacionais, as quais nunca vão ser resolvidas, porque ao mesmo tempo que nós adoramos o interior e as suas pessoas "rústicas", eles adoram a "cidade" e vêem-nos como uma espécie de deuses evoluídos de um outro século, dos quais eles dependem para sobreviver e ter emprego. É mesmo triste como num país tão pequeno se deixou as coisas chegarem a um ponto tão saturado de incompreensão e divisão entre pessoas que são tão iguais entre si. Mas não me parece que a situação se vá alterar, mesmo com a promessa de as auto-estradas provocarem um milagre de evolução e desenvolvimento instantâneo.

Street Fighting Man disse...

auto-estradas não puxam carroça. muito menos se foram às carradas. obviamente que fragilizadas as comunidades é muito mais difícil vê-las a lutar pelos seus direitos. actualmente o combate à desertificação do interior passa cada vez mais por aumentar a economia dos centros urbanos locais (como vila real, guarda, castelo branco, etc), que aos poucos se irá expandindo, porque, encaremo-lo o resto está às moscas. o que eu não acho certo, nunca achei, é que uma pessoa do interior inteligente, que prossiga os estudos ou que seja bem sucedido na sua empresa, não tenha qualquer interesse em voltar para a sua terra, senão depois da reforma. pior: ninguém o poder censurar.