domingo, fevereiro 15, 2015

o frio é um lugar estranho

Por estes dias, o cinzento é omnipresente. Eu diria que o próprio ar é cinzento. Como um filtro fotográfico, a meteorologia realça a cor de chumbo das imagens que os olhos captam. Em reacção, o corpo pede malgas de nescafé quente com açúcar, um aquecedor a óleo ligado no interior de uma casa velha onde as madeiras rangem quando o vento sopra, ou algum colega de andar arrasta a ressaca para a sala, para uma matiné domingueira de SporTV.
O Inverno, e a iminente Primavera, relembram-me saudades do meu Bintoito. Porém, a imagem que me surge mais nítida são a das viagens que faço por esta altura. Delft, Barcelona, Paris, com destaque para as centro-europeias. A geografia dessas latitudes compreende melhor esta época do ano. Nós, "latinos" somos duros mas os chiares de joelhos e pingos no nariz dobram-nos como plasticina.
O meu corpo surpreende-me com uma carência, mimela, de frio a sério. Do sol gelado sobre a Torre Eiffell e os Campos Elísios; mãos acolchoadas à procura da câmara para registar tudo; a companhia do Leitão no papel de guia e turista pela Paris que quer conhecer pelos olhos de outra pessoa; o rio, as ilhas, uma cidade com charme de uma aristocrata poetisa e musa. A Holanda falta-me nos serões de panrico com nutella, num quarto com aquecimento no máximo e na habitualidade serena da legalidade daquelas paragens; Delft existe sem correr, como os canais debruados de neve; as pessoas geladas deslocam-se em bicicletas: têm tempo e assim é melhor. Quem diria do enérgico Nuno Sousa um exemplar cidadão holandês? A forma simples como, sacramentalmente, a noite do grupo de tugas, não poucas vezes acompanhado de brasileiro e sueco, se dirigia das suas residências para determinados bares onde os cantos da casa são conhecidos até de olhos fechados. A busca incessante de um EP local como se de um Santo Graal se tratasse. Amanhã poderia estar abraçado a essas rotinas como se fossem minhas desde sempre; a familiaridade do percurso e dos companheiros são determinantes. Ainda que ensombrado pelo desgosto, vigiado pela inocente rapariga do brinco de pérola no hangar, e a neve parecesse que nunca se iria embora.
O meu corpo, carente e mimelo, quer festa. Deitar-se num colchão improvisado numa cidade diferente, e sujeitar-se a aventuras com pessoas que conhece desde sempre. Habituou-se mal. Conseui aldrabá-lo, porém, com a incursão às aldeias de xisto, nas montanhas. As montanhas! Senti-o como se tivesse 5 anos outra vez a brincar no monte do meu avô, ou no quintal entre as espigas de milho.
Por agora, Penafiel, o meu inferno, é tudo o que me resta. Igual em todas as alturas do ano. Como o meu ADN.

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