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domingo, janeiro 28, 2024

Vinte-Vinte-e-Três: diga lá outra vez!

Mantendo o hábito de assinalar os pontos altos do ano transacto musical em Janeiro, algumas notas aos meus leitores.

A) Os Lagartos e os Oceanos, tecnicamente, empataram. Ambos lançaram verdadeiros mananciais de jardas. E se o Holocene é mais um maravilhoso capítulo à ode geológica dos The Ocean, o Petradragonic é visceral, inquietante e termina (prenunciando o final do planeta Terra, quem sabe?), literalmente, em chamas.

B) De diversos projectos, de elevada qualidade que reinterepretaram música africana, o Scúru Fitchádu levou a taça. Menos intenso que o álbum interior, com ginga para todos os ouvidos que querem, mas não necessariamente para os que podem. "Olho por olho, dente por dente." Rei entre reis, num ano de excelentes e excitantes projectos em Portugal.

C) Descobri a malha do ano num festival à beira-rio em Crestuma, justamente por uma banda de conterrâneos meus, sobre fazer planos para depois do covid. Desconfinados, o mundo era nosso, a prisão tinha terminado. Foi tão respirar fundo outra vez fora de portas, ir a concertos, sentir que ir ao Japão voltou a ser tão possível como ir ao Sameiro, ou que Hollywood estava à distância duma final da Taça, ou até de Hollywood. E que bom foi esta epifania ter ocorrido no Vale do Sousa.

D) Gigs do ano voltaram a ser mais que muitos, mas a poderosa tinha de ganhar. Quem viu, apaixonou-se! Palavra de quem cantou o De-Loused in Comatorium, do início ao fim, debaixo de um temporal. Se os Mars Volta tivessem tocado a "Televators", talvez levassem o primeiro lugar. Mas não tocaram. Na verdade, até eles só ali estavam ali para ver a Rosalía, Cédric Bixler-Zavala dixit.


Melhores Álbuns Internacionais:

1º - King Gizzard And The Lizzard Wizzard - Petrodragonic Apocalypse
2º - The Ocean - Holocene
3º - Bixiga 70 - Vapor
4º - Yussef  Dayes - Black Classical Music
5º - Gorillaz - Cracker Island
6º - The Armed - Perfect Saviours
7º - Kanaan - Downpour
8º - Tommy Guerrero - Amber of Memory
9º - King Gizzard & The Lizzard Wizzard - The Silver Cord
10º - Lana del Rey - Did You Know There's a Tunnel Under Hollywood boulevard?
11º - Maneskin - Rush!
12º - Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs - Land Of Sleeper
13º - Black Pumas - Chronicles of a Diamond
14º -Foo Fighters - But Here We Are
15º- Arlo Parks - My Soft Machine
16º - Kvelertak - Endling
17º - Baroness - Stone
18º - Jaye Jayle - Don't Let Your Love Life Get You Down
19º - Feist - Multitudes
20º - Jungle - Volcano 


Melhores Álbuns Nacionais:

1º - Scúru Fitchádu - Nez Txada Skúru Dentu Skina Na Braku Fundu
2º - Maro - Hortelã
3º - O Vampiro Submarino - Tempo Para Nada
4º - Cobrafuma - Cobrafuma
5º - Conjunto Corona - ESTILVS MISTICVS
6º - Eu.clides - Declive
7º - Riça - Diabos M' Elevem
8º - Chico da Tina - Tinadance
9º - Copa Funda - Jóias de Luxo a Baixo Custo
10º - MAQUINA. - Dirty Tracks For Clubbing
11º - Filipe Sambado - Três Anos de Escorpião em Touro
12º - Motherflutters - Together
13º - Amaura - Subespécie
14º - Chico da Tina & Tripsy - Eurotape EP
15º - Lucifer Pool Party - Lucifer Pool Party
16º - Minus & Mr. DHOLY - Giant Stops
17º - Travo - Astromporph God
18º - Expresso Transatlântico - Bombália
19º - Gator The Alligator - Laminar Flow 
 20º - Cristina Branco - Mãe


Melhores Músicas:

1º - Copa Funda - Há Moina no Carreiro
2º - The Ocean - Subboreal
3º - King Gizzard & The Lizzard Wizard - Dragon
4º - Vampiro Submarino - A Série U
5º - Eu.clides - Tê Menos 1
6º - Scuru Fitchadu - Treinament
7º - Lana del Rey (feat. Jon Batiste) - Candy Necklaces
8º - Gorillaz (feat. Stevie Nicks) - Oil
9º - Conjunto Corona - FUMO NA PANELA
10º - Foo Fighters - Under You
11º - Yussef Dayes (feat. Rocco Palladino) - Tioga Pass
13º - Bixiga 70 - Marginal Elevado Radial
14º - Slomosa - Cabin Fever
15º - Amaura - O Preço
16º - Maro - just wanna forget you
17º - Baroness - Last Word
18º - Maneskin (feat. Tom Morello) - Gossip
19º - Chico da Tina (feat. David Bruno) - Viana Gaia
20º - Riça - Ponte de Babel 


Menções Honrosas: KGLW - Flamethrower; KGLW - Witchraft; KGLW - Supercell; KGLW - Motorspirit; Scúru Fitchádu - Bakan; Scúru Fitchádu - Mar Brabu; The Ocean - Sea of Reeds; The Ocean - Atantic; Vampiro Submarino - Planeta Pequeno; Maro - fui passo calculado; Gorillaz (feat Thundercat) - Cracker Island; Maro - ouvi dizer; The Armed - Patient Mind; The Armed - Sport of Form; Yusef Dayes (feat Tom Misch) - Rust; Expresso Transatlântico - O Ganster (Canção Para Dead Combo); Copa Funda - Portugueses Pelo Mundo; Lucifer Pool Party - Rainvow Dream 3,5; Conjunto Corona- Tabuleta; Conjunto Corona - Puta da Velha; Conjunto Corona - Chico com a 6,35; Bixiga 70 - Quarta-feira; Riça - Rato do Campo & Rato da Cidade; Kvelertak - Motsols Chico da tina & Tripsy - Eu não tenho culpa; Slow J - Where U At?; Code Orange - Mirror; Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs - Mr. Medicine; Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs - Big Rig; Maneskin - Kool Kids; MÁQUINA - ..; Travo - Turn to the sun; Esquadrilha Pastilha - Valentim Loureiro; Baroness - Magnolia; Cobrafuma - Tempo de Trovão; Cobrafuma - Buraco; Fiipe Sambado - Talha Dourada; Filipe Sambado - Choro da Rouca


Melhores Descobertas:

1º - Hermanos Gutierrez - El Bueno Y El Malo (2022)
2º - Wind Rose - Wintersaga (2019)
3º - John Butler Trio - Flesh & Blood (2014)
4º - Young Gods - T.V. Sky (1992)
5º - Loyne Carner - hugo (2022)
6º - Danger Mouse - Cheat Code (2022)
7º - The Mars Volta - The Mars Volta (2022)
8º -  Elder - Innate Passage (2022)
9º - Kokoroko - Could We Be More (2022)
10º - Ezra Collective - Where I'm Meant To Be (2022)
11º - Brutus - Burst (2017)
12º - Rob Zombie - Hellbilly (1998)
13º - Criatura - Aurora (2016)
14º - Wu Tang Clan - Wu Tang Forever (1997)
15º - Black Jesus Experience - Good Evening Black Buddha (2022)
16º - Karin Park - Private Collection (2022)
17º - Derby Motoreta's Burrito Cachimba - Hilo Negro (2021)
18º -  The Black Angels - Wilderness of Mirrors (2022)
19º - Immortal Onion - XD (Experience Design) (2020)
20º - I Built The Sky - Zenith Rise (2019)

Menções Honrosas:
Bodega - Broken Control (2022); Bob Vylan - Bob Vylan Presents The Price of Life (2022); CAN - Tago Mago (1971); Gala Drop - Amizade (2022); The Computers - Birth/Death (2016); Imarhan - Aboogi; Anna Von Hausswolfe - The Miraculous (2015); Lightning Bolt - Sonic Citadel (2019); The Commet Is Coming - Hyper-Dimensional Expansion Beam (2022); Carapaus Orkestra - Dois (EP) (2020); NEU! - NEU!75 (1975); Polyphia - Remember That You Will Die (2022); Weyes Blood - And In The Darkness, Hearts Aglow (2022); Sakuran-Zensen - I Am Sakuran-Zensen (2020); Ishamel Ensemble - Visions of Light (2021); Frazey Ford - Indian Ocean (2014); Fado Bicha - Ocupação (2022); It Was The Elf - Fire Green (2016); Trash Culture - Just a Ride (2019); War On Women - Wonderfull Hell (2020);Halestorm - Back From The Dead (2022)


Melhores Concertos:

1º- Rosalía @ Primavera Sound Porto, Porto
2º - The Mars Volta @ Primavera Sound Porto, Porto
3º - Limp Bizkit @ CA Vilar De Mouros, Caminha
4º - The Ocean @ Comendatio, Tomar
5º - David Bruno @ Coliseu do Porto, Porto
6º - José Pinhal Post-Mortem Experience @ Festas Santa Marinha de Crestuma, Vila Nova de Gaia
7º - GOAT @ Hardclub, Porto
8º - Bixiga 70 @ B.Leza, Lisboa
9º - Brutus @ LAV, Lisboa
10º - Criatura @ Festa da Regueifa e do Biscoito, Valongo
11º - Copa Funda @ Festas Santa Marinha de Crestuma, Vila Nova de Gaia
12º - Slomosa @ Hardclub, Porto
13º - Ho-Chi-Mihn @ Comendatio, Tomar
14º - Prodigy @ EDP Vilar de Mouros, Caminha
15º - The Last Internationale @ EDP Vilar de Mouros, Caminha
16º - Conjunto Corona @ Music Box, Lisboa
17º - This Will Destroy You @ Comendatio, Tomar
18º - Kendrick Lamar @ Primavera Sound Porto, Porto
19º - Enter Shikari @ CA Vilar de Mouros
20º - Minus & Mr. Dholy @ Serralves em Festa, Porto

sábado, dezembro 26, 2020

es muss sein

 "Mas o narrador é mais tentado a acreditar que, dando demasiada importância às belas acções, presta-se finalmente uma homenagem indirecta e poderosa ao mal, pois deixaria então supor que estas belas acções só valem tanto por serem raras, e que a maldade e a indiferença são forças motrizes bem mais frequentes nas acções dos homens. Essa é uma ideia de que o narrador não compartilha. O mal que existe no mundo vem quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida pode fazer tantos estragos como a maldade. Os homens são mais bons do que maus, e, na verdade, a questão não está aí. Mas ignoram mais ou menos, e é a isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza então a matar. A alma do assassino é cega e não há verdadeira bondade nem belo amor sem toda a clarividência possível."

Albert Camus, "A Peste"


domingo, julho 19, 2020

por detrás do fim, por detrás de nós

"Quando rebenta uma guerra as pessoas dizem : «Não pode durar muito, seria estúpido.» E, sem dúvida, uma guerra é muito estúpida, mas isso não a impede de durar. A estupidez insiste sempre e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós."

Albert Camus, "A Peste"

quarta-feira, dezembro 11, 2019

2019 em tops

Depois de em 2018 me ter lançado no mundo dos tops e retrospectivas, decidi repetir a brincadeira. No fundo, porque é divertido reouvir os álbuns fresquinhos que fizeram o meu 2019, explorar o que o artista a ou b andaram a fazer, hierarquizar os favoritos conjugando as minhas preferências com a sua relevância. Como há um ano, alerto que não tenho a veleidade de dizer que é a lista das listas, das melhores das melhores, das derradeiras obras primas de 2019. Não. Aliás, em Janeiro, com a anterior lista acabada de publicar, descobri Bombino e um álbum fantástico que lançou em 2018. Infelizmente, e mesmo com ferramentas como o Spotify e o Youtube, continuam a existir artistas que nos passam ao lado, e aparecem gloriosamente quando menos contamos. O que torna estes best ofs mais pobres, mas ao mesmo tempo a vida de um melómano mais excitante.
A  menos que os King Gizzard se lembrem de voltar a publicar um álbum em 31 de Dezembro, salvo douta melhor opinião, os melhores álbuns nacionais e internacionais de 2019 são os seguintes:

Álbuns Internacionais:

1. King Gizzard & The Lizzard Wizzard - Infest The Rat's Nest
2. King Gizzard & The Lizzard Wizzard - Fishing For Fishies
3. Lana del Rey - Norman Fucking Rockwell
4. Snarky Puppy - Immigrance
5. Tool - Fear Inoculum
6. Chelsea Wolfe - Birth of Violence
7. The Black Keys - Let's Rock
8. The Physics House Band - Death Sequence EP
9. Patrick Watson - Wave
10. Billie Eilish - When We All Fall asleep, Where Do We Go?


Menções honrosas: Elder - The Gold & Silver Sessions; Tinariwen - Amadjar, Pelican - Nighttime stories, Aurora - A Different Kind Of Human - Step 2, Russian Circles - Blood Year, Baroness - Gold & Grey, trentemoller - Observe, Slipknot - We Are Not Your Kind, The Cinematic Orchestra - To Believe, Amyl And The Sniffers - Amyl And The Sniffers; Summon The Fire - Trust In The Lifeforce of The Deep Mistery

Os álbuns internacionais foram muito menos cativantes do que é costume noutros anos não obstante os muitos comebacks, o que tornou mais bicuda a tarefa de avaliar a sua qualidade, nestes tempos de mercantilização da nostalgia. Destaco o aguardado regresso de Tool às músicas novas; apesar de nenhuma delas se destaca na sua icónica discografia, também nenhuma tem um fã que não a ansiasse ouvir, e todas são catalogadas com um selo de"quanto mais ouço, mais gosto". The Physics House Band marcaram o meu ano com um ep de altíssima qualidade entre o prog e o jazzy. Com sensivelmente meia hora, assumidadamente pequeno, conciso, a dar um cheirinho de novos clássicos para rasgarem em cima de palco, o que, I shit you not, vale muito a pena. Saudei o regresso dos Black Keys, bons demais para se limitarem a uma one hit wonder band, e com 3 ou 4 malhas que passam tão bem numa djset hipster como nas manhãs da Comercial. O que, goste-se ou não, impõem respeito. E mais ou menos se pode dizer da Billie Eilish, que agrada a gregos e troianos, novos e velhos, enche arenas e, pior, fica no ouvido. Snarky, Lana e Patrick Watson, por seu lado não sabem fazer maus álbuns. Os seus estilos são apurados e característicos, e voltamos a eles como a jantares com velhos amigos. Já Chelsea Wolfe relembrou-nos a razão pela qual é uma das coqueluches do rock internacional. O seu "Hiss Spun" ficou aquém do fenomenal "Abyss" (que herança pesada!), o que me deixou céptico em relação ao novo álbum. Porém, sem medo a senhora atirou-se ao folk gótico com canções como "Highway", "Mother Road" e "Deranged for Rock N Roll", que nos dão vontade de correr o Grand Canyon de carro com uma guitarra acústica no banco de trás. A prova de que o doom é quando a senhora quiser.
Mas quando os campeões voltam, voltam mesmo. Para a maioria das bandas uma pausa de 1 ano é um intervalo. Para os Gizzard é uma Idade de trevas, séculos de ausência, desesperança e morte. Que melhor forma de quebrar o marasmo com dois álbuns, quase de assentada, que não se levando muito a sério levam à mesa o tema mais sério da parada: a salvação do mundo? O Fishing For Fishies é mais comedido, groovie e fácil de esperar dos senhores. Uma nova demonstração de que estes Lord of The Riffs nem tem medo de pôr o povo a dançar, sem ter de cantar 10 mil vezes "Rattlesnake": "Plastic Boogie" e "Boogieman Sam" dão vontade de chamar a moça mais roliça de jardineiras vestidas e palha no canto da boca para vir dançar, enquanto trauteamos letras acerca do quanto estamos fodidos, a afogar-nos em plástico. Mas existem mais: "Fishing For Fishies" é uma fofura, e "Cyboogie" é adição pura, com o seu videoclip retrofuturista a levar-nos a questionar se os senhores não colaram o pistão de vez.
Nadar com peixinhos e micro-plásticos ao som de blues é bom. Mas moshar ao som de metal interplanetário é, e será sempre, melhor. Tudo em "Infest The Rats Nest" é fixe e desafiante. Um verdadeiro marco que só peca por alguma previsibilidade nalgumas músicas. A capa é uma referência à séria animada "Masters of The Universe", mais precisamente, ao trono do vilão Skeletor, esse malfeitor badass, com cara de caveira. Ironicamente (ou não), trata-se de um álbum de trash metal sobre questões ambientais. Mas não um trash reinventado, polido, intelectualizado: trash do antigo, quais Metallica adolescentes, mas a soar a King Gizzard. A aventura começa com o slogan de uma geração, sob o rufo de uma pedaleira dupla: não há planeta B. Daí partimos para uma viagem pelo hiperespaço, qual "10.000 Anos Entre Vénus e Marte" versão metal, e parece-nos que semelhante narrativa épica não podia ser contada de outra forma (desculpa Tio Cid). Evocam-se imagens de uma Humanidade, sem alternativa ou esperança, expatriada de um Marte para os ricos ("Mars For The Rich"), à procura de Vénus ("Venusian 1", "Venusian 2"), a vaguear num espaço infinito de detritos, rumo ao inferno. Lógicamente, a última música chama-se "HELL". Assim mesmo, em maiúsculas, do início ao fim. Pelo meio ainda há tempo para uma malha digna de desert sessions ou de estádios cheios: "Superbug".  Não esqueçamos os videoclips, com singles escolhidos a dedo, que contam uma história distópica tragicómica, bipolar e nonsense, que começa num massacre de idiotas e acaba num forrobodó technoviking ao som de gesso martelado.
No fim, os Gizzard não se levam a sério, mas levam muito a sério o que fazem. E enquanto o fizerem, o título de King ficar-lhes-á sempre bem no início do nome.



Álbuns Nacionais:

1. Solar Corona - Lightning One
2. David Bruno - Miramar Confidencial
3. Classe Crua - Classe Crua
4. Stereossauro - Bairro da Ponte
5. MUAY - SEMFIM
6. Loosense - Saloon
7. Capitão Fausto - A Invenção do Dia Claro
8. Emmy Curl - OPORTO
9. Chico da Tina - Minho Trapstar
10. Mão Morta - No Início Era o Frio

Menções Honrosas: Direwolves - Ask Me For Nothing, Pás de Probléme - The Shape of Party To Come, The Black Wizards - Reflections, Slow J - You Are Forgiven, Heavy Cross Of Flowers - Heavy Cross Of Flowers, 10.000 Russos - Kompromat


A produção nacional está boa e recomenda-se. Parece que foi noutra era, aquela em que cresci e se contavam pelos dedos das mãos os bons projectos portugueses, originais e bem tocados. Hoje em dia, há de tudo, do hip-hop à soul, ao folk, à música cantada em português, inglês, instrumental, até projectos de nicho convertidos em fenómenos virais.
Os Mão Morta não sabem fazer maus álbuns, e é tão bom voltar a ouvi-los com o seu crivo pessimista, entre sonoridades ambientais. Já o Chico da Tina entrou-nos pela internet adentro, e a sua originalidade  alto-minhota relou a concorrência. Uma paródia aos estereótipos do rap, ou um verdadeiro, à moda antiga, com orgulho na sua ascendência de festas populares, champarrião e profundos conhecimentos artísticos? A resposta é ouvi-lo em loop e tirarmos as nossas conclusões. E onde o senhor do triangle chest representa Viana, Emmy Curl canta o Porto como já tínhamos saudades que o cantassem. De forma eternecida e doce, a Emmy trouxe-nos um álbum carregado de saudade e maravilhamento por essa cidade que apesar de fria e resmungona, mostra que o mundo todo pode caber entre "Cedofeita" e os "Aliados", entre o "Passos Manuel" e as "Devesas", haja "Good Dancers" (lindy hoppers, quiçá) com coração para bailar a "Dança da Lua e do Sol". 2019 foi também o ano em que quebrei a cisma com Capitão Fausto e a sua aura de nova-promessa-indie-em-português-que-vão-substituir-os-Ornatos. Eu, pecador, me confesso: o que andei a ignorar? Esta banda é uma máquina de canções! Fáceis de trautear, com letras naïf à vista desarmada, e desarmantes à vista naïf. Ouvi-los é recordar como é fácil nos apaixonarmos e em "fazermos as vontades para agradar ao nosso amor". "Lentamente", "Certeza", e "Sempre Bem" são clássicos instantâneos, com a certeza de que há mais de onde esses vieram. Este também foi o ano em que conheci os Loosense. Bandas portuguesas em formato big band não são muito comuns, muito menos com a qualidade técnica e aptidões para as músicas groovy intermináveis, como é o caso. "Saloon" é álbum para rolar em festas, em chillouts, no trabalho, ou ao pequeno-almoço de torradas de pão de centeio com meia de leite. As influências de Snarky Puppy podem ser óbvias, mas isso nunca +e mau. Os MUAY são um bom exemplo de que há santos da casa que fazem milagres. Já peritos no seu post-rock ambiental, sem medo de soar simples, porque o simples nunca é só o que parece. As suas experiências de composição com sequelas, reinterpretações e reedições em cada concerto e álbum novos, têm um novo capítulo em "SEMFIM", onde repetem tudo de bom que já haviam feito, de modo a criar um encadeamento, cronologicamente não linear de músicas novas e antigas: ouvindo uma malha, até se pode ouvir todas, mas nunca se ouve definitivamente tudo de todas.
No que se refere aos álbuns mais rodados /antecipados do ano, o "Bairro da Ponte" foi uma escolha óbvia. A vantagem de ter sido lançado no início de 21019 permitiu-me ouvi-lo mais vezes no meu som sistema, e deu tempo a ouvintes novos para se ambientarem a uma (re)mistura de fado com hip-hop à velocidade morna de ritmos africanos. Claro que também há espaço para um "Código das Rua", com Ace, ou um irascível "Ingrato", com Nerve, mas a marca do disco está nas malhas como a doce "Flor de Maracujá", a esperançosa "Vontade de Deus" ou até mesmo no remix da "Verdes Anos", como se a saudade pudesse ter todas as cores do arco-íris. Na outra mão, temos Classe Crua que, sem cerimónias, faz spoil no nome: a classe de Sam, e a crueza de Beware Jack. O registo low-fi e nostálgico dos beats mistura-se como mel com a voz rouca do contador de histórias, e fica cravado na alma, enquanto damos por nós a coleccionar música após música nas nossas playlists, até que shieet! já ripamos o álbum todo. Assim se faz um clássico instantâneo. A terceira mão, não existe, mas se existisse tinha de ser inventada, como o último romântico de Mafamude, David Bruno, himself. Mestre na conceptualização do imaginário xunga, dB não pára de nos surpreender com a sua capacidade de storytelling do Portugal profundo que existe na sua amada Nova Gaia. Todo o hype que antecedeu "Miramar Confidencial" foi digno de um streammy, tal o seu comprometimento com a documentação da vergonha pública de Adriano Malheiro Caloteiro. Hype esse totalmente justificado na imortalizada ascensão e queda de um Ícaro lusitano em plena época das vacas gordas. Uma história dos nossos dias que queríamos ter tido os tomates de contar como ele a cantou, mas que nem nos lembramos a tínhamos dentro de nós até ouvir aquele "Bebe & Dorme". Fomos meros intervenientes acidentais, e adoramos.
Porém, o ouro da casa fica à bela osmose entre Barroselas e Barcelos que são os Solar Corona. "Lightning One" entrou em 2019 sem pedir permissão, acertou nas colunas como um raio (pun intended), e acaba antes de termos noção do que acabamos de ouvir. Rock puro, enérgico e estiloso, na boa tradição stoner, evocativa de desert sessions. Talvez por essa razão tenham optado pela velhinha cassete para o comercializarem em formato físico.  É um álbum pejado de coisas boas: riffs pesados mas orelhudos, teclados a dar tonalidades ora épicas ora ambientais, suspiros roucos a fundir-se com a distorção, um saxofone a coroar de doce malhas como "Drive-In" e "Speedway", que de tão aceleradas devem ser consideradas dopping em alguns países. Mas também não nos podemos esquecer-nos do groove assasino de "Beehive" ou "Love is Calling". Num tempo em que muitos passam atestados de óbito ao rock n' roll com uma leviandade confrangedora, ainda saem álbuns destes, que são lambada do início ao fim, no carro, ou no festival, na ceia com os amigos, ou no spotify do trabalho. Venham mais!



Bónus:

Melhores concertos:

1. The Physics House Band @ Maus Hábitos, Porto
2. Om @ Sonicblast Moledo, Caminha
3. Bixiga 70 @ Mimo Amarante, Amarante
4. Daughters @ Amplifest, Hardclub, Porto
5. Touché Amoré @ Amplifest, Hardclub, Porto
6. Orange Goblin @ Sonicblast Moledo, Caminha
7. Jorge Ben Jor @ NOS Primavera Sound, Porto
8. Godspeed You! Black Emperor @ Hardclub, Porto
9. Red Fang @ LAV, Lisboa
10. Nerve @ Pérola Negra, Porto

Menções Honrosas: Solar Corona @ CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, Guimarães; Lucifer @ Sonicblast Moledo, Caminha; Chico da Tina @ Mimo Amarante, Amarante; Muay @ Woodstock 69, Porto; Sons Of Kemet XL @ NOS Primavera Sound, Porto; Jambinai @ NOS Primavera Sound, Porto; Viaga Boys @ NOS Primavera Sound, Porto


terça-feira, outubro 29, 2019

ouriço de recusas

nunca fui de falar sobre as estrelas
(tenho a cara de olhos no chão
e por via disso problemas de costas).
escrevo sobre o que sei e o que sinto.
com a mesma certeza do tempo
que mói, autoritário, a sua mó
sem se desviar um milímetro
pelo delta de leitos de pedra
que se estendem à sua frente.
o etéreo não me seduz se não o sentir na pele
como vento e o frio:
a minha imaginação voa sem limites
e vai beijar o lado de dentro
das grades do meu crânio.

no entretanto, acredita-se no caminho
que só se faz caminhando.
sem fé, o caminho não existe.
a missão faz-se pelo caminho que se escolhe.
o caminho é uma religião.
que também aceita não-praticantes.


segunda-feira, outubro 07, 2019

"Na praça há o paredão dos velhos que vêem passar a juventude; ele está sentado em fila com eles. Os desejos são já recordações."

Italo Calvino, "As Cidades Invisíveis"



sábado, outubro 05, 2019

desculpa, mas Nakata é um pouco burro, e não sabe ler.

"Eu tenho a poesia toda metida no meio
do teu silêncio, digo, o
que só cega cabe a demorar
um pouco mais a vinda da ausência que
se vem
é porque o mundo foi feito de outra forma
e nós não estávamos lá para dar a nossa
ou simplesmente sorrir.

Frio__pessoa de querer bem e
afligir cabeça de família, dinheiro
para o mês. Não consigo suportar
a palavra de o amor não ser 
um acto de vontade. Não quero vencer
porque isso seria a forma mais
discreta de emigrar e eu não quero
ser discreto, se os documentos
subidos a custo para eu poder
ouvir música, sozinho no meu quarto,
às cinco da manhã.

Que te basta perceber de mim?
(Não foi fácil descobrir que eu sou
do tamanho do teu mundo.)
Diz assim o teu mestre de yoga:
árvore, era uma vez
depois de muitas vezes descobriu
que estava presa à terra
e ao ar
e ao sol
e à chuva
e não apenas ao seu corpo.
Então a árvore teve que escolher:
ou era vaidosa ou não era ignorante.
Tu achaste nisto uma metáfora.
Eu pensei (mas não disse):
- Não é fácil ser amigo de uma árvore.
- Porquê?
- O sol, a chuva, o ar.
- Nada. Um copo de água.

E fui deitar-me na minha apetência pela
tarde até acordar com a água verde a subir-me
pelas costas. Foi simples levantar-me. Havia uma
casa mas ninguém se aproximou. Deixaram-me
reparar sozinho as consequências da que podia
nem sequer ter existido."

Rui Costa, "Como Eu Comi a Cabeça do Escorpião Budista", em "Mike Tyson Para Principiantes"


quinta-feira, maio 09, 2019

enmadeirados

são saudades. ou só saudades?
de qualquer forma pesam como chumbo
num aquário, onde esvoaçam peixes.
lá no fundo, são bonitas
e nós prezamos a beleza
a ancorar-nos a vida
e os sorrisos.
não denoto sofrimento no teu.
está luminoso como sempre 
e nunca devia ter deixado de ser.

domingo, fevereiro 11, 2018

I'm paralyzed, I'm paranoid, out of my element: I prefer the muddy water


as cordas vocais são afluentes de esgotos
cuspimos merda à cara uns dos outros
a falar, a gente entende-se
os meus pais criaram-me pessoa de bem
numa terra de mal
o nosso idioma é asco e amargura
somos exímios a dizer à boca cheia
"o teu amor não vale nada" e
"estimo bem que tu te fodas"
será para o lado que não dormiremos melhor


quinta-feira, novembro 30, 2017

sonhos de merda

"A merda é um problema teológico mais difícil do que o mal. Deus ofereceu a liberdade ao homem, e portanto, pode admitir-se que ele não é responsável pelos crimes da humanidade. Mas a responsabilidade pela existência da merda incumbe inteiramente àquele que criou o homem, e só a ele."

Milan Kundera, "A Insustentável Leveza do Ser"


quinta-feira, março 09, 2017

double logan on ice

Deus fez-te perfeito, imortal e feroz.
Músculo com articulações fracas.
Cerebral sem controlo da fala.
A idade pesa-te as pernas,
Até aos confins da eternidade.
Este és tu
A dançar aos socos com a vida.