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sexta-feira, julho 02, 2021

band of every man for himself

 


Cresci sob a ameaça de perder os meus amigos no final de cada ano lectivo ou ciclo de estudos, ou na iminência de uma mudança  mais significativa na minha vida. Nessas alturas, concretizava-se o receio de ser traído que, durante esses períodos tentava emudecer. Afinal não eram amigos, nem leais, nem bons colegas, e queriam seguir a sua vida para um sítio sem mim. Envelheci sob a necessidade de me reinventar. De conseguir antecipar essas mudanças de ciclo. Mas quando os ciclos são tão longos, ao ponto de não se conseguir distinguir a sua origem, como na trajectória de um cometa, dificulta a preparação para inevitável partida.
Uma vez, todo moca, observei que os avós não têm amigos, só família. Os amigos ou se afastam, para as respectivas famílias, ou morrem. Como resposta ouvi que, embora o meu ponto fizesse todo o sentido, era demasiado cedo para uma pessoa fazer algo para evitar tão trágico estado de coisas. Toda a gente se riu. Talvez não fosse assim tão cedo. Mas já tarde demais.

terça-feira, julho 19, 2016

A Lenda


"Eu podia ter sido um homem que partiu para sempre. Tinha-se cansado e agora, lentamente, começava a acordar para a imensidão do que abandonara.
As escuras paixões das marés, o mugido de uma onda, a avalanche das vagas quebrando-se contra um recife... uma glória desconhecida chamando-o incessantemente da negrura do alto mar, era a glória confundindo-se na morte e numa mulher, a glória de fazer do seu destino uma coisa especial, uma coisa rara. Aos vinte anos tinha estado apaixonadamente certo: nas profundezas do mundo havia um ponto de luz que fora feito só para si e que havia de se aproximar de si para iluminar, e a mais ninguém."

Yukio Mishima, "O Marinheiro Que Perdeu As Graças Do Mar"

segunda-feira, julho 04, 2016


"Os fantasmas do mar, dos navios e das viagens oceânicas existiam apenas nessa gota verde brilhante. Mas por cada dia que passava, mais os odores abomináveis da vida em terra se colavam ao marinheiro: o cheiro da família, o cheiro dos vizinhos, o cheiro da paz, do peixe frito, das piadas e das mobílias sempre imóveis, o cheiro dos livros de contas, da casa e dos passeios de fim-de-semana... todos os cheiros pútridos que os homens da terra deitam, o fedor da morte."

Yukio Mishima, "O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar"

quinta-feira, janeiro 21, 2016

manhãs e rascunhos

A casa do meu avô cheira a terra húmida
A manhã de nevoeiro
Orvalho nas folhas
E granito com musgo.
Cheira a vinhas cansadas nos esteios.
A casa do meu avô cheira a tanque de cimento com sabão rosa
Cheira a tangerineira
A nogueira
A gatos que dormem, invisíveis
Cheira a vasos antigos de pedra.

A margaridas sobre os muros.
A casa do meu avô cheira a café de cevada solúvel,
A cal fresca
Chão lavado
E mesas de vime

A televisão e leitor de cassetes desligados.
A casa do meu avô cheira a silêncio.