Mostrando postagens com marcador Lana Del Rey. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lana Del Rey. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, setembro 12, 2019

once upon a time in Lilliput


"Para trás ela deixa apenas uma almofada molhada de lágrimas. Com a mão sobre a tepidez da almofada húmida, vês o céu pela janela ficar pouco a pouco mais claro. Ao longe, ouve-se o crocitar de um corvo. A terra continua a mexer-se lentamente. Mas para além desses pormenores do quotidiano, existem os sonhos. E toda a gente vive nos sonhos."

Haruki Murakami, "Kafka à Beira-Mar"

sexta-feira, agosto 04, 2017

traduções desencontradas

"A estranheza da beleza nova-iorquina atrai loucamente Sabina. A Franz, fascina-o, mas, ao mesmo tempo, assusta-o: dá-lhe saudades da Europa."

Milan Kunderam, "A Insustentável Leveza do Ser"


"I waited for you
In the spot you said to wait
In the city, on the park bench
In the middle of the pouring rain
'Cause I adored you
I just wanted things to be the same
You said to meet me up there tomorrow
But tomorrow never came
Tomorrow never came"

quarta-feira, maio 24, 2017

Diamond Eyes

Ela estava sentada quando ele chegou. Escolhera uma esplanada junto ao lago, e as pessoas passeavam, ocasionalmente, no jardim, a aproveitar a brisa fresca de uma tarde de Verão prematura.
Ela vestia de preto, blusa e calças, sem acessórios, nem decote. Destacava-se o lindíssimo rosto, e os inigualáveis olhos azuis. Sóbria, elegante e hipnótica, como sempre.
Falaram sobre arte, viagens e temas triviais. Evitavam o elefante na mesa, contornando as evidências da atracção e da história em comum, que nunca tiveram, irremediavelmente perdida na timidez das suas pobres aptidões sociais da juventude. Não se viam havia anos. Ela partira para o outro lado do mundo, sem promessas e sem vínculos. Aquela terra, que era a sua, dizia-lhe pouco. A promessa de outros horizontes fazia-a mover. Amava pela sua própria cabeça, sem paixão, o que a levava aos destinos e aventuras mais inesperados. Frente a frente com ela, o seu mistério desarmava-o, as suas inescrutáveis motivações envolviam-no, como na primeira vez que se tinham falado a sós.
Levantaram-se para caminhar, e só então ele se apercebeu da sua gravidez avançada. A realidade atordoou-o como um soco no estômago. Não percebia como não se apercebera da diferença física, nem como o tema não surgira na conversa. Vendo-a a caminhar graciosamente junto ao lago esverdeado, não conseguia imaginar uma grávida mais bonita e mais serena.
Ela confirmou o óbvio, com a calma de quem quer algo, e aceita o desafio inerente, e os seus custos. Como se fosse mudar-se para uma novo continente, depois de ter vivido nos outros todos. Ele disse-lhe que não percebia. Ela respondeu que também não. Que não se imaginava mãe, mas que o iria ser. Ele parou diante dela, percebendo que aquele era o ponto final na eterna latência entre os dois e na eterna possibilidade de relação que nunca haviam tido. Perdera-a, e não sabia, sequer, se a voltaria a ver novamente. Perguntou-lhe se o pai da criança era o namorado ou marido. Respondeu que tinha uma relação com um árabe, que era o pai.
Ele segurou-lhe a mão. Não sabia como reagir, disse-lhe. Estava triste como não se lembrava de estar. Ela tocou-lhe no rosto e beijou-o. Os lábios tocaram-se com a firmeza da despedida.
Acordou, com a camisola colada ao corpo, com suor gelado. Fora um sonho. Um inesperado, e imprevisto sonho. Ele, que já não sonhava. Ela continuava do outro lado do mundo, a prosseguir os seus insondáveis desígnios. Ele continuava preso, sem esperança, à terra que o viu nascer, porque não se pode enraizar noutra.
Ao voltar a fechar os olhos, lembrou-se que fora tudo um sonho, menos a distância entre eles, fosse a de uma gravidez, de meio globo, ou do silêncio dos olhos azuis.


terça-feira, março 01, 2016

"no fundo, odeio pessoas: pessoas fazem-me fumar e fumar faz-me morrer"


"Que sentimento é esse que temos quando vamos de carro e nos afastamos das pessoas e elas vão diminuindo de tamanho na planície até vermos as suas manchas dispersar? É o mundo demasiado grande a pesar-nos, é o adeus. Contudo, curvamo-nos avançando para a próxima aventura debaixo do céu."

Jack Kerouac, "Pela Estrada Fora"

terça-feira, dezembro 29, 2015


"Assim, durante a minha primeira semana em Mill City, fiquei na barraca a escrever, a todo o vapor, um conto tenebroso acerca de Nova Iorque que, achava eu, iria agradar a um realizador de Hollywood, e o defeito que a história tinha era ser demasiado triste. Remi mal conseguia lê-la, de modo que se limitou a levá-la para Hollywood umas semanas depois, Lee Ann andava demasiado chateada e odiava-nos de mais para se dar ao trabalho de a ler. Passei incontáveis horas de chuva a beber café e a escrevinhar. Por fim, disse a Remi que aquilo não servia; queria um emprego; era obrigado a fumar cigarros à custa deles. Uma sombra de desilusão perpassou pelo rosto de Remi; ficava sempre desiludido com as coisas mais estranhas. Tinha um coração de ouro."

Jack Kerouac, "Pela Estrada Fora"

segunda-feira, junho 30, 2014

tristeza com filtro de califórnia



"Mas agora que cantei da tristeza
não observo já os mais leves traços
e a minha maneira de me matar
é deixar cair ambos os braços."

Ruy Belo, "Tristeza Branda" in "Homem de Palavra(s)"