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segunda-feira, julho 14, 2025

é normal


porque haveria o poeta de ser obrigado a pensar fora da caixa?
em primeiro lugar, apure-se quem o meteu na caixa.

*

casa viva é casa com crianças
ocupada com brinquedos desarrumados
pela especulação do imaginário
um espectáculo para os juvenis passados.

*

abram a janela. circulem o ar.
há já muito que nesta latrina o ar
se tornou irrespirável.

terça-feira, junho 17, 2025

matinés no altar

 


comungávamos aos domingos à tarde
no piso suado da volúpia de sábado
os oradores eram nossos amigos
que oravam e repartiam
o microfone como pão para a boca.
bebíamos, admirávamos e lutávamos,
sobretudo, contra nós próprios
mas também contra o mundo.

quarta-feira, abril 23, 2025

mais perto




diz-me se mais perto do mar
é mais perto de mim.
se a solidão é coisa que se sinta
quando me sinto.
diz-me se além
é aqui.


domingo, março 30, 2025

quem me leva os meus fantasmas?

o cheiro adocicado de um perfume enrola-se no céu da minha boca. (mas de quem?)
a primavera veio buscar-me pela mão. transeuntes existem felizes
com conta, peso e medida. em cima dos meus ombros.
amigos distribuem passou-bens - olha ele, estás bom?
sim, estou bom.
que bom é existir, responsavelmente,
carregado.



quarta-feira, dezembro 18, 2024

Anora


caído contra a desgraça
encarcerei entre opções.
chamem os bombeiros. liguem primeiro
à linha sns24.
sejam expeditos. por amor
(falta tanto amor)
de Deus e eu sou tão pouco
para um fundo tão grande
que não arranca. como este trânsito
que me arranca todos os dias da cama
para o silêncio. para a insuficiência.
para a inimizade. para a ausência.


segunda-feira, janeiro 09, 2023

é preciso

Determinados sons
só os entendem, nesta terra,
a noite:
o do silêncio, para começar,
a seguir, o do ar pulsando nos ouvidos

Só depois chegam os mais conhecidos:
carro a passar, um sino em agonia,
folha ao longe

Mas esses: marginais,
bastardos de uma noite
que outros filhos tem

Na zona quase escura do pensar,
o tom que se perfila
permite o que de verso
e a noite entende

A terra não soçobrou, antes segura
o que de mais humano
nos abriga:
universo implodindo
nestas sombras
pulsando, independente

A frente de silêncio,
lento tornado lento,
desloca os movimentos conhecidos
dispersando-os nos sons 
e na memória

Porque a terra não cai,
e por isso sustenta o que é mais frágil
o que de mais humano
nos sustém:

disse-me alguém, numa tarde
com sol, estrada redonda

enquanto as oliveiras
menos densas que a rocha,
se seguravam, belas,
na paisagem.

Ana Luísa Amaral,  "Da Terra Sobre os sons: Fulgurações", em "E Todavia"







P.S.
(é só preciso chegar-se um pouco tarde
demais
é preciso ser-se só um pouco triste
demais
é preciso ser-se um pouco mais só
nada mais)

quarta-feira, agosto 24, 2022

podia ser só 2020 a começar outra vez

Um sítio para um cigarro
E uma cerveja
Rock antigo e familiar
Nas colunas
Todas fodidas
Nevoeiro na rua
E o piso ressoado
Cheiro a tabaco
Choco de gripe
Rio-me dos meus disparates
Acredito
Que amanhã será um dia melhor




sábado, junho 11, 2022

pentíptico.

I.

Hoje lembrei-me de ti

quando vesti pela primeira vez 

a camisola que me ofereceste 

antes de nunca mais nos vermos.

Nick Cave estava no Primavera.

Tu não. Tudo bem.

Somos amigos.


II.

Hoje lembrei-me de ti.

Como daquela vez em que te usei

porque sabia que estarias presente.

Eu, nem sempre. Mas, sim, sempre

quando me lembrei de estar.

Esperava que te tivesses esquecido,

quando te falei

"Hoje lembrei-me de ti"

mas a tua resposta foi

Não.


III.

Hoje lembrei-me de ti.

Para lembrares comigo

as noites de Verão 

em que falamos embevecidos

de amores afogados em cerveja.

Lembrei-me de ti

como me lembro sempre

daqueles que te traíram.

Eu sei, lembro-me de tudo

de toda a gente, 

para sempre.

Somos todos especiais

no Universo.


IV.

Hoje lembrei-me de ti.

Nada te disse.

Sei que perguntas por mim,

sem o saber.

Talvez saibas que faço o mesmo,

mas não sabes.

Eu quero ser feliz.

Tu não sabes o que queres.

Por isso, espero

que estejas bem.


V.

Hoje lembrei-me de ti.

Perguntaste-me se estava

tudo bem.

Respondi que podia estar

melhor eu também.

Estavas sozinho como eu.

Não pediste o meu coração.

Só a resposta

a de estar bem

do lado de cá do ecrã.

Tive saudades tuas.

Desejei-te boa noite.

Dormi bem.

sexta-feira, abril 08, 2022

díptico

I

Caminho, pequeno, entre quelhos e ruelas.
Assoberbam-se prédios românicos defuntos
à minha volta, à minha passada. 
Não fazem mal. 
A catequese está quase a começar.
É sempre Outono. O céu cinzento.
Joga-se à bola nos paralelos
dos intervalos da catequese.
Eu regresso a casa dos avós pelo caminho
de onde vim.


II

Saio da escola, pequeno. Enfrento a avenida.
A mochila excede-me. Não se ouve vivalma.
Toda a gente vai na direcção de onde tem de ir
Sem se importarem. Eu não me importo.
Não faz mal.
Prefiro ser invisível e caminhar
porque caminho sozinho.


quinta-feira, fevereiro 03, 2022

mas tu chamas-me louca

 Sabes o que é irónico, brou?
Ainda penso em ti quando levanto os dedos da mão direita
como se um cigarro ainda queimasse no meio deles.
E conto-te estas merdas. Estas minhas merdas.
De quando eu estava gordo como um porco,
rockava uma monocelha e era triste como a meia-noite.
Uma tristeza tão grande que até um cego via. 
Eu, cego de amor, não.
E, no final de que valeu, sofrer aquilo tudo?
Cresci, é certo, mas não crescemos todos?
Não precisava de nada daquilo. Se o amor é aquilo,
não precisava. Pôr a bandeira, bater no peito,
essas merdas sabem bem na hora, brou
mas a mim não me dizem nada, tu sabes.
Nem as memórias são bonitas. Os olhos dela
nem abriam, o rosto não se virava para a lente.
Dois perdidos. Dois miseráveis. Dois casmurros.
Incapazes de admitir a derrota, arrastados
pelos acontecimentos.
Nesta fase, o que tem mais piada é eu
já nem saber se ela é ela, ou uma casa,
ou uma causa, ou uma escola, ou um camarada.
Tudo se misturou nesta cabeça velha, 
que, agora, sábia
não ignora ter passado 30 e tal anos
bem menos sã do que sempre se julgou.


sexta-feira, dezembro 31, 2021

wolves in the throne room

 a arte ou imita a vida ou não imita merda nenhuma.

já a vida é uma conta de somar

de circunstâncias mais sensibilidade, ou falta dela.

traumas enlegados em cima de traumas,

de ódios de estimação e amores a camisolas.

a vida é 

uma puta duma confusão, portanto.

nos dias de hoje, a arte comanda os sonhos

e os sonhos, já se sabe, comandam a vida.

mas antigamente, no tempo que hoje desculpamos

sempre! o que é hoje indesculpável,

a vida era comandada por ambições,

legados,

sobrevivência,

ou pura mesquinhez,

que se podia rectificar no Santíssimo Sacramento 

ou no tasco com bagaços, ambos ao Domingo.

vai daí, a geração mais bem formada de sempre,

os nativos da era digital,

ou outro palavrão qualquer

que nos colem nas costas,

tem de psicanalisar o caralho destes restos analógicos,

destas heranças de moralismo jacentes

na psique colectiva lusitana, 

de que alguns cantautores conseguem sacar hits, 

mas nenhum consegue exorcizar.

netos duma sociedade fascista falida

a renderizar numa quarta dimensão

movida a vapor de lítio de grandes conglomerados,

definhamos com peste, que nem medievos.


terça-feira, julho 13, 2021

arcade fire na faup chapter 1

 caía a ficha: ainda ninguém passara a laika.

a música que eles ouviam nas directas de entrega.

o pessoal ia saltar como os seus dedos 

rasgavam alçados nas folhas brancas.

Mas arcade fire não é indie meio beto?

o will butler é um génio, foda-se. quem é este gajo?

ele não estuda aqui. deixa-o estar.

um bando de amigos improvável um ano antes

fielmente acompanhado por um penetra,

opinava apaixonadamente enquanto dançava

sobre se papa roach ou offspring seriam bons

para suceder na lista aos génios de neon bible.

os tipos não gravaram um álbum, tipo, numa igreja para

tipo, estarem encafuados entre punks e nu metaleiros de quinta

diz lá quando é o sporting-académica, e cala-te.

Hoje não há jogos - respondia o novato, alheado do código.

Pois, claro que havia. Jogava-se em casa.

Ninguém emigrado, todos por perto.

Irmãos ainda antes de ser amigos.

Num armário envelhecido cai 

um post it para me lembrar 

de arcade fire na faup.

quarta-feira, maio 12, 2021

sexta-feira, abril 03, 2020

o tempo não está para brincadeiras

à espera que o nada aconteça
para eu acontecer sem mais nada
não que solução não apareça
ou que se concluiu esta jornada.
mas eu estou sentado nesta mesa
a rever os dias da minha agenda parada
e a angústia que o meu medo professa
acomoda-se na insónia da noite passada.

segunda-feira, março 16, 2020

prison blues

As rodas dentadas da existência
desaceleram
de vagar
sem ningém acreditar
que páram.
O mundo não mexeu
dali.
O pânico revelou-se mudo.
Tudo acontecia.
Tudo tinha acontecido.
Nada de respostas.
O Dr. Manhattan
no início e no fim.
A roupa de uma gaja
qualquer no meu corpo
e o cheiro das drogas dela
no meu cabelo
com tinta cor-de-rosa
escorrida das paredes
para o interior da série
que estou a escrever.
Será incrível
o teu potencial
que todos vêem
mas em que ninguém acredita.
Esta conversa que travas contigo mesmo
dá-te vontade de fazer perguntas,
não dá?
Por que começas os teus argumentos
e as tuas desculpas
com um não?
Isto é um poema,
uma prosa
ou um post de facebook
sobre a falta de civismo dos portugueses,
questionamos-te.
Um gole de vinho
e uma cozinha
por arrumar.
Não acabaste as descrições.
Ou as alucinações.
Isto não são "Os Maias".
Isto não é português.
Isto não são as drogas
na tua língua
ou a minha língua
entre as tuas pernas.
Um chapadão de resposta
que tens de dor
das algemas que esquartejam
os teus membros
presos e esmagados
pela feroz realidade
dos quatro pontos cardeais.
É o medo.
Aqui, mesmo.
Ausência de movimento.
O mundo sabia
e não estava preparado
O teu pai não acreditava
Agora não o vês.
E não tem mal
porque assim não existe.
A traição aos teus
lembra-te a gravidade
a puxar-te rumo ao chão,
de entre todas as forças
para todos os outros lados.
E
mais uma vez, Pedro Ribeiro
Conseguiste aquilo que pediste,
e tão pouco fizeste por merecer:
Solidão;
Um quarto fechado
com todas as memórias
de todas as mulheres
com quem fodeste
a foderem-te ao mesmo tempo
na mesma foda
na mesma febre
que não tens
porque não tens sintomas
nem imaginação
nem inteligência
ou trabalho.
O mundo não parou,
parvinho.
Só tu.

Borrado de medo.
A fazer de Deus.

quarta-feira, fevereiro 12, 2020



planas superfícies paralelas
espelham espelhos
no quarto sem graça
dum narcisista derrotado.

o quadro do futuro
a pendurar
estará pintado com píxeis
cor de mentira.

quarta-feira, fevereiro 05, 2020

atirar porcos a pérolas

a poesia
não se pode resumir
a merdas bonitas
escritas em tom
afectado.

não pode ser poeta
quem se fica
e declama como se fosse
às raízes da comoção.

quinta-feira, novembro 28, 2019

ai-cu

Nos dias que correm
ninguém me percebe:
no entanto, todos
me percepcionam.
Em mim, nada difere
dos demais, e no entanto,
tudo se diferencia.
Quem me refere
nunca me referencia.
A culpa é da minha
tendência para racionalizar
e não raciocinar
quando falo
o que não verbalizo.


segunda-feira, novembro 11, 2019

crocodilo dandy



Deliberei por unanimidade
sozinho
executar as deliberações
por mim tomadas
sozinho
em todas as outras assembleias
de mim comigo mesmo:

Ser artista sem receio.
Vestir o fado
Responder pelo nome que escolhi
Apontar tudo
Usar mochila
como quando era feliz
Lá dentro um caderno e uma caneta
Banda sonora nos ouvidos
Outono no corpo
para sempre
Os pensamentos escritos a sangue
As ironias cartoonadas a grafite
As sapatatilhas gastas
de calcorrear o inferno de uma rua
E as metástases de um amor findo
a trilhar o coração.

O futuro fica-me melhor num pedestal
Ao alcance da vista
Que as minhas hipocondrias me fazem crer
estar a piorar.
Preciso de ter pena de mim, à vontade
Agora que a minha experiência do mundo
Me ensinou que a culpa é toda dos outros.