Ela estava sentada quando ele chegou. Escolhera uma esplanada junto ao lago, e as pessoas passeavam, ocasionalmente, no jardim, a aproveitar a brisa fresca de uma tarde de Verão prematura.
Ela vestia de preto, blusa e calças, sem acessórios, nem decote. Destacava-se o lindíssimo rosto, e os inigualáveis olhos azuis. Sóbria, elegante e hipnótica, como sempre.
Falaram sobre arte, viagens e temas triviais. Evitavam o elefante na mesa, contornando as evidências da atracção e da história em comum, que nunca tiveram, irremediavelmente perdida na timidez das suas pobres aptidões sociais da juventude. Não se viam havia anos. Ela partira para o outro lado do mundo, sem promessas e sem vínculos. Aquela terra, que era a sua, dizia-lhe pouco. A promessa de outros horizontes fazia-a mover. Amava pela sua própria cabeça, sem paixão, o que a levava aos destinos e aventuras mais inesperados. Frente a frente com ela, o seu mistério desarmava-o, as suas inescrutáveis motivações envolviam-no, como na primeira vez que se tinham falado a sós.
Levantaram-se para caminhar, e só então ele se apercebeu da sua gravidez avançada. A realidade atordoou-o como um soco no estômago. Não percebia como não se apercebera da diferença física, nem como o tema não surgira na conversa. Vendo-a a caminhar graciosamente junto ao lago esverdeado, não conseguia imaginar uma grávida mais bonita e mais serena.
Ela confirmou o óbvio, com a calma de quem quer algo, e aceita o desafio inerente, e os seus custos. Como se fosse mudar-se para uma novo continente, depois de ter vivido nos outros todos. Ele disse-lhe que não percebia. Ela respondeu que também não. Que não se imaginava mãe, mas que o iria ser. Ele parou diante dela, percebendo que aquele era o ponto final na eterna latência entre os dois e na eterna possibilidade de relação que nunca haviam tido. Perdera-a, e não sabia, sequer, se a voltaria a ver novamente. Perguntou-lhe se o pai da criança era o namorado ou marido. Respondeu que tinha uma relação com um árabe, que era o pai.
Ele segurou-lhe a mão. Não sabia como reagir, disse-lhe. Estava triste como não se lembrava de estar. Ela tocou-lhe no rosto e beijou-o. Os lábios tocaram-se com a firmeza da despedida.
Acordou, com a camisola colada ao corpo, com suor gelado. Fora um sonho. Um inesperado, e imprevisto sonho. Ele, que já não sonhava. Ela continuava do outro lado do mundo, a prosseguir os seus insondáveis desígnios. Ele continuava preso, sem esperança, à terra que o viu nascer, porque não se pode enraizar noutra.
Ao voltar a fechar os olhos, lembrou-se que fora tudo um sonho, menos a distância entre eles, fosse a de uma gravidez, de meio globo, ou do silêncio dos olhos azuis.
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