O enraizamento da devoção aos santos na fé cristã faz esquecer, ainda que por descuido, que aqueles foram homens e mulheres como nós, em tempos. Raras vezes a santidade lhes foi atribuída à nascença. Muitas vezes conquistada através da morte. E, quase sempre, reconhecida depois dela. Mas como nós, e como Cristo, nasceram, cresceram e morreram.
Se formos justos, aqueles que reconhecemos como santos, apesar de humanos, foram menos que pessoas. O que se compreende. Se assim não fosse, a sua fé e integridade física não teriam sido testadas e sobrecarregadas até á sua sagração como mártires, e à recompensa divina de conviver com o próprio Senhor. Por comparação, aqueles que aproveitaram a plenitude do seu tempo na terra, a ela regressaram de forma mais definitiva.
Já os santos, acometidos de intervenção divina, prometeram-se a um lugar nos céus, ainda em terra. O seu cálculo, porém, foi pouco esclarecido, visto que os céus pertenciam a um só Senhor, ao qual pecadores, como eles nunca se equiparariam. Subidos ao Éden, imediatamente, aceitaram as consequências da sua falta de previdência, e se remeteram aos lugares secundários do eternidade, bem assim, como no culto.
Ainda assim, a todos os seres celestes e divinos a sua presença era inusitada, à falta de melhor expressão, e difícil de explicar. No entanto, a tal desígnio os haviam devotado os costumes dos homens, com o beneplático divino do Todo Poderoso, e já não era coisa pouca.
Impedidos de se sentar à direita ou à esquerda do Pai, acederam em se sentar atrás dele, do Filho e do Espírito Santo. Assim, se multiplicaram num vasto auditório durante a evangalização da fé e o decorrer dos milénios. Nunca precisaram de se organizarem ou sindicalizarem. Para hierarquias bastavam os anjos, já para providenciar pelas preocupações terrenas estava lá a Mãe de Deus. Quando entendiam dever exprimir alguma ideia, faziam-no através da voz de São Pedro, o primeiro dentre eles. Mais por educação do que por imperativo das suas funções. Afinal de contas, Deus conhecia todos os seus pensamentos, pelo que a liberdade de expressão era uma formalidade.
Porém (e porque há sempre uma adversativa nas grandes histórias ou nas grandes reflexões), Deus permitiu-se a que os seus desígnios fossem progressivamente mais insondáveis, à medida que a sua doutrina alastrou pelo mundo. De tal modo que a sua localização, se tornou ela própria insondável. Ao mesmo tempo que os filósofos terrenos se insurgiam contra a ditadura dogmática do pensamento divino, proclamando a morte Dele, e os seres humanos o substituíam nos seus pensamentos por bens materiais, Deus, efectivamente, desapareceu de cena. Assim na erra, como no Céu. E com Ele, todos os anjos, arcanjos, a Virgem, e claro, logicamente, o Filho e o Espírito Santo.
Foi, portanto, uma santa assembleia muito confusa aquela que se deu conta da ausência de Deus, quando mais necessitavam do seu conselho. E assustada ao constatar que repousava sobre os seus martirizados ombros, a responsabilidade de gerir os destinos do reino dos Céus, sem qualquer legitimidade, hereditária ou democrática. É que na Terra, os homens haviam-se voltado a matar uns aos outros, e enquanto o faziam, rezavam a alguém que não acreditava que os ouvisse. Apenas os santos tinham ficado para responder à chamada.