terça-feira, agosto 23, 2016

desert sessions junto ao cais


"Esse medo, sendo algo que não saía, era já como um dado físico concreto: como um nariz torto, como um olho cego, como alguém que coxeia. Hinnerk não saía à rua sem o medo, não ficava em casa sem medo, não adormecia sem o medo, e mesmo nos momentos em que a consciência se tornava menos construída, quando a individualidade apresentava a estrutura mais frágil - como nos sonhos -, mesmo aí uma espécie de azedume fixo permanecia constante no meio da aparente loucura de imagens que se sucediam sem controlo, misturando espaços, tempos, possibilidades e impossibilidades."

Gonçalo M. Tavares, "Jerusalém"

segunda-feira, agosto 22, 2016

tudo acaba e se desfragmenta enquanto os deuses lutam no espaço, indiferentes.


"Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.

Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
O que mais do que tu procuraste
A plenitude de cada presença."

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Poesia"

terça-feira, agosto 16, 2016

rituais nas clareiras dos montes queimados



"Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E  através de todas as presenças
Caminho para a única unidade."

Sophia de Mello Breyner Andresen, "O Jardim e a Casa", em "Poesia"

quarta-feira, agosto 10, 2016

the floor is lava

mãos no volante a ferver.
suor a correr nas costas.
a casa atrás das mesmas.
óculos escuros de marca e chapéu da feira.
o ar respira-se com fragrância de incêndio.
um mapa a borbulhar na cabeça.
o rádio dá aulas de air drums
enquanto o pôr-do-sol nos puxa sem dó,
para mais uma aventura.

segunda-feira, agosto 08, 2016

baile pagão


"Tudo me é uma dança em que procuro
A posição ideal,
Seguindo o fio dum sonho obscuro
Onde invento o real.

À minha volta sinto naufragar
Tantos gestos perdidos
Mas a alma, dispersa os sentidos,
Sobe os degraus do ar..."

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Poesia"

terça-feira, agosto 02, 2016

uma fantástica vinda


"Espero sempre por ti o dia inteiro
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda."

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Poesia"