Os isolamentos atingem-me no goto, como se fossem uma bola demolidora, e o goto um saco lacrimal. Fico mais susceptível que uma grávida a ver os "Love Actually" desta vida.
(Disse isolamentos porque desta vez foi este distanciamento social a ditar os metros de distância dum calor humano qualquer. Normalmente são fins de paixões assolapadas, tapetes profissionais tirados debaixo dos pés e o diabo a sete. Tudo eventos que me remetem para um canto escuro a fim de alinhar os chacras.)
O que me comoveu, vou partilhá-lo antes que me perca na logística das omeletes e arrozes de tomate. Uma série sobre um programa televisivo de luta livre feminina, em que o realizador escolhido para dirigir o projecto é um frustrado, sensação série B dos anos 70, que ainda não percebeu que os 80 já vão a meio. Ao longo de três temporadas, vemos este estranho clone de Stan Lee, amargo mas apaixonado, severo mas disruptivo, a ambientar-se a uma zona fora do seu conforto, a apaixonar-se, a reinventar-se profissionalmente, a descobrir que tem uma filha, que o idolatra desde criança, e que, por sinal, tem muito mais talento do que ele.
Chega, então, o momento de poder ser o pai presente que nunca quis ser. Presente nas reuniões de trabalho, das quais a filha impaciente quer baldar-se para fazer as coisas como ele fez na sua idade. Ele não deixa, insulta-a, não a quer ver desperdiçar talento, nem que para tal tenha de ir ao beija-mão de todos quanto desprezou nos seus tempos áureos. Quando a busca começa a compensar, e os resultados a aparecer (afinal a qualidade tende a ser recompensada), o homem tem um ataque cardíaco. Não houve uma queda aparatosa. Não houve um "amo-te minha filha". Nada. Apenas uma estóica atitude de "não vais foder tudo agora, morte".
Aguentado o tempo suficiente para dar as chaves do carro à filha para ir festejar sozinha a sua conquista, pede a um traseunte qualquer que lhe chame uma ambulância. Fintou a morte por pouco, e à filha nem uma palavra. Diz ao médico que não tem a quem contactar. Regressa a casa, e a miúda não lhe perdoa, no trato execrável que lhe herdou, não ter ido celebrar com ela. Ele manda-a foder. Ela quer que ele realize o filme dela, e não aceita que a sua carreira comece de outra forma.
E comovi-me. Com este simples, e caricato exemplo, de homens e mulheres que vivem a vida a achar que merecem tudo de mau, porque deram tudo de mau que tinham, e aguentam até a morte, para fazer algo certo por quem ainda tem a vida toda pela frente. Não é mentira que este sofrimento solitário leva a muitos mais fardos, e não poucas vezes se revela um ridículo desperdício de energia emocional, evitável se as pessoas falassem, sem medo, do que sentem.
A cena é que os velhos não falam de sentimentos. Amam, fodem tudo, e orgulham-se quando acertam, pelo menos uma vez. Normalmente, só se gabam quando a velhice lhes vence a casmurrice.