há, sensivelmente, 10 anos eliminei o sufixo estagiário e tornei-me advogado de pleno direito. cédula e tudo. para ser exacto cumprir-se-ão 10 anos no dia em que irei iniciar uma nova aventura. a década é um número redondo, mas não apaga os 4 anos que o antecederam de prática na "trincheira", na base do "contra tudo e contra todos", que moldaram o profissional que viria a ser. findo o estágio conciliado com mestrado, aulas e exames da ordem, o mundo abria as suas possibilidades. fresh start. só que não, não é? "no one knows anyone else, ever", nada verdadeiramente começa, nada verdadeiramente acaba, não é? os aforismos batidos encadeiam-se uns nos outros, como as desilusões e as cerejas. ficou claro que os meus salvadores não me iriam salvar sem contrapartidas. e não havia montanhas de trabalho ou sacrifícios suficientes para provar o meu valor. e embora isto me parecesse muito certo e evidente, ainda não sabia a forma que a minha salvação iria assumir, nem como a alcançar. predispus-me a atirar a todas as oportunidades, obter paulatinamente o que me faltava, cumprir sonhos, ou meros desejos: o futuro não podia continuar a ser uma mera soma de trabalhos e encargos. esse caminho fez-me feliz, ainda que não sem esforço. possibilitou-me o carro, o lindy, pós-graduações, muitas viagens, ainda mais concertos, alguns amigos, desilusões de toda a ordem, e a certeza de que não podia duvidar do meu valor, que teria de ser a primeira das minhas preocupações para não ser pego quando o bicho corresse. "um olho no burro e outro no cigano", disse-me o meu ex-patrono no dia do meu último exame. não lhe faltava previdência. em suma, o meu sui generis, ainda que não romântico percurso, fez-me ser um adulto jovem, que não conseguiu ser um jovem maduro. mas há tempo para tudo creio, eu.
assim, construí a minha carreira, boa ou má, mas minha. sem deixar de atentar nas oportunidades que me foram surgindo, as quais diria que se foram tornando mais frequentes, e interessantes. até à derradeira que me permitiu sair do escritório, que foi como uma segunda casa, não própria, mas de família. daquelas que mingam e se afunilam com o nosso crescimento. o sentimento de claustrofobia excedeu o medo de não ser bom o suficiente e de o meu tempo ter passado. lá fui eu.
porque uma mudança nunca vem só, o famigerado título deontológico por que tanto me sacrifiquei foi mesmo chamado à colação. a promessa de um fim anunciado, de certa forma. "não vais conseguir manter as duas coisas", diziam-me, e por perrice consegui, até não me ser permitido mais. em todo o caso, o luto ficou feito. 6 meses volvidos, comovido lá cumpri o processo de meter a cédula no envelope rumo a lisboa, com o sentimento de dever cumprido. a verdade é que nunca fui melhor advogado do que sou pessoa. ofício e carácter sempre andaram nos mesmos trilhos, ao ponto de, suponho eu, dar a ideia de que é fácil. ser-se eu parece fácil porque permite ser-se divertido, sério, não muito rico mas alguém em quem confiar. a verdade é que nunca foi fácil. nunca o há de ser. mas a compensação por ser eu, a dar o melhor de mim, será também maior. ainda que longe, ainda que mais sozinho. mas com o coração no sítio certo, felizmente.
espero daqui a 10 anos, poder estar orgulhoso do rumo para onde me atirou esta mudança, tanto ou mais do que estou agora dos 10 anos que passaram. para alguém que nunca sonhou ser advogado, acho que não me safei nada mal.
em 2013, não acautelei o registo para a posterioridade que o momento exigia. mas por volta de setembro, baroness rockava forte e o mote era mais ou menos este:
em 2023, o último dia de causídico e de consultor foi marcado com mais prontidão, ainda que não com muito mais pompa.