(fotos retiradas do site da Câmara Municipal de Penafiel)
A minha existência confunde-se com a Igreja e com o jardim do Sameiro. Em criança chamava-lhe "a minha igueja", segundo rezam os meus pais. Tantos anos depois, o Sameiro ainda tem em mim o efeito de Estrela Polar, a assomar-se no horizonte e a indicar o caminho para casa. Mas é também mais do que isso. Só fotos de casamentos da minha família já constituíriam um acervo considerável. Junte-se as tardes na infância a correr para trás e para a frente no jardim, das noitadas passadas nos tempos áureos do Bar do Lago, e agora das conversas contemplativas, lá do alto, autêntica varanda sobre o Vale do Sousa. O Sameiro tem, assim, um valor inestimável e incalculável na memória colectiva dos penafidelenses. É o nosso cartão de visita, são as nossas boas vindas aos turistas, é do nosso património mais emblemático a par do Mosteiro de Paço de Sousa, da Quinta da Aveleda, dos Arcos de Bustelo, da Anta de Santa Marta (entre outros).
Como é possível constatar das fotografias que estão em cima, o jardim do Sameiro está a ser escavacado de alto a baixo, fruto do novo passo do projecto de regeneração urbana de que Penafiel está a ser alvo. Sobre essa regeneração urbana já muita tinta se fez correr, quanto ás opções urbanísticas, quanto ao timing, quanto à sua necessidade e utilitariedade. Pela parte que me toca sempre adoptei uma posição moderada: mudar não é necessariamente mau, desde que a mudança se justifique e seja para melhor. Se tantas polémicas tem havido, então, desde já se vê que as mudanças, grosso modo consideradas, estão longe de ser queridas e necessárias. Mais uma vez, afirmo que cada caso é um caso, e algumas intervenções foram úteis interessantes, ao passo que outras, nem uma coisa nem outra.
No que ao Sameiro diz respeito, vê-lo neste estado aperta-me o coração. Sangra-me a alma. Tenho medo, mas um medo inominável do seu futuro, quase comparável ao medo que teria se um ente querido fosse subitamente atirado para uma cama de hospital, sem grandes esperanças de lá sair. De acordo com o que percebi do projecto para o Sameiro, no âmbito da regeneração urbana, divulgada pela Câmara Municipal de Penafiel, o triângulo em frente ao jardim (que já fora um seu prolongamento) seria unido, através da eliminação de uma das artérias que o ladeia ás casas do outro lado, criando uma praça, além de mais umas pequenas operações de cosmética. Não constava lá nada disto. Nada de trucidar o Sameiro. De relembrar que ainda há poucos anos o passeio do jardim, em frente á escadaria foi preenchido com granito e calçada, em substituição da terra, o que o tornou bastante mais atractivo para passear: ninguém mexeu no jardim. Quando a Igreja foi alvo de brutais obras de restauro (uma vez que estava a cair), foi feito um excelente trabalho, recuperando-se, inclusive a zona involvente: aproveitou-se para recuperar o jardim traseiro da Igreja, que se tornou mais airoso e o estacionamento menos anárquico. Mas desta vez não é disso que se trata. Trata-se de dar cabo do que estava bem feito. De dar cabo do lago, que também ele faz parte da memória e da história de Penafiel, através dos icónicos bailes que lá se faziam há décadas atrás. Ultrapassa-me o que é que pôde passar pela cabeça de quem quer que tenha concebido este projecto, para o levar a considerar que as coisas não estavam bem como estavam neste caso em particular. Mais: construir bares no passeio do Sameiro, pode ser só um boato, mas é assustador! Poupem-nos a argumentos de bolso como o ser preciso estar aberto à mudança, e que o resultado final vai ser melhor que o inicial, porque são bacocos e forçados. Uma pequena visita ao centro de Penafiel e depressa se encontrarão uma série de intervenções necessárias e da maior utilidade, e que não estão previstas nas obras de regeneração urbana, nem estarão. Algumas delas, dispendiosas q. b., mas aí sim, o dinheiro seria bem empregue. O drama aqui surge pelo esboroar de um ícone. Alargamentos de passeios, ok, alterações de sentido, concede-se, remodelação do parque radical, até que enfim!, praças á cota da estrada que passou a estar inclinada, haja juízo, mas nunca pior, agora invadir, pilhar e destruir parte da essência daquele que é o rosto da cidade e do concelho de Penafiel assume contornos de filme de terror. E não, não me parece que regeneração urbana seja ou deva ser isto, ou metade, ou um quarto disto sequer.
Penafiel assume-se como um bom exemplo de canteiro neste jardim à beira mar plantado, onde com tão pouco se consegue fazer tanto (Ignition, Escritaria, Agrival, Festa do Caldo, Evento Largo, etc), e com tanto consegue fazer tão pouco.
Um comentário:
A marca desta regeneração é, sem dúvida, estragar o que de bom havia, com um ênfase na eliminação da bonita (e tradicional) calçada portuguesa.
Há que alterar os passeios que já tinham espaço até para um carro e deixar o caminho até ao hospital um atentado a qualquer peão.
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