sexta-feira, março 20, 2015

o último poema

A poesia acabou contigo
E com este trabalho.
Depois veio o carro,
Tive de saber conduzir a minha vida.
Ainda há pouco eu era fato e gravata,
Homem em missão a sul do douro.
Agora sou só Penafiel.
Como na primária. Como na prisão.
A poesia acabou comigo
A escolher ser eu.
Deixei tudo o que existe.
Só existe saudade.
E se eu sou saudade
Então sou saudade do que nunca tive
Do que nunca fui.
Pois esse tempo passado avança
Enquanto estagno.
Mais um copo, mais um cigarro
Mais um analgésico para a memória.
Quando o pano cai
Nem o comediante sou.
A História começa com o Comediante morto.
Nunca enganei ninguém. Sou mau advogado.
Nunca fui bom para mim
Não poderia ser bom para o mal.
Apenas um caso perdido. Um beco sem saída.
Não há poesia em nada disto
Porque a poesia acabou contigo.
Não a levaste. Não é tua para a devolveres.
Nem deste trabalho.
Nem do meu carro.
Nem do futuro.
Porque tudo isso acabou.
E não recomeça
Enquanto eu não acabo.

Um comentário:

Francisco disse...

Gostei muito, mas... força nas canetas! Ainda há dias me perguntavam: "então, viveste tudo o que tinhas para viver nos teus 20"? E é aí que um tipo começa a colocar tudo em perspectiva e a ver que isto passa mesmo - como eles diziam (os pais, os avós, os amigos dos pais, etc.) - a correr. Logo, força nas canetas.

Um abraço,
Francisco