segunda-feira, fevereiro 26, 2018

regresso ao passado

"Terá sido o tema dos anos seguintes- «esse remorso como antevisão do pecado» - que pela primeira vez me tocou? Ou será que este momento me sugeriu quanto ao meu isolamento, parecia grotesco aos olhos do amor, e, simultaneamente, pelo reverso da medalha, me revelou a minha incapacidade em aceitar o amor?"
Yukio Mishima, "Confissões de Uma Máscara"



Nova canelada atira-me para nova peregrinação. Busca de um sentido perdido, nos trilhos da infância. Quando o pôr-do-sol durava dias. Onde cada árvore tinha um nome. Esse tempo é um refúgio que me atrai como o mar. Devias vir comigo ver como tudo desse tempo e lugar mingou e arruinou. Com eles os meus princípios e sonhos. Impiedoso é o futuro. E o futuro é tudo o que existe. Tardo, ainda não cheguei, ao futuro que será o passado de alguém. Só essa caminhada me motiva a pôr um pé à frente do outro.

terça-feira, fevereiro 20, 2018

demasiado boa pessoa

Determinado dia, no quartel da guarda, ao ver um chegar o meu avô, um biltre fardado comentou "vem aí um que é sério demais". O, então, jovem Cardoso estacou, perguntou se a boca era para ele, e face ao emudecimento do artista, vociferou-lhe "não existe ser-se sério demais. ou se é sério, ou não se é sério!"
Em tantos anos de histórias do velho guarda, tinha-me escapado esta sua preciosa lição: como bem responder a um insulto disfarçado de elogio.

domingo, fevereiro 18, 2018

porta-te como um homem

"I wish I just had the balls to turn around and be like: «Dude, would you shut the fuck up? Jesus Christ! Be a man! Push it down! Push it down, deny your feelings, act like you have answers. Do some man shit right now!"
Bill Burr

domingo, fevereiro 11, 2018

I'm paralyzed, I'm paranoid, out of my element: I prefer the muddy water


as cordas vocais são afluentes de esgotos
cuspimos merda à cara uns dos outros
a falar, a gente entende-se
os meus pais criaram-me pessoa de bem
numa terra de mal
o nosso idioma é asco e amargura
somos exímios a dizer à boca cheia
"o teu amor não vale nada" e
"estimo bem que tu te fodas"
será para o lado que não dormiremos melhor


sábado, fevereiro 03, 2018

novos guarda-chuvas se alevantam

ultrapassar-me pela direita em plena passadeira denota audácia. ou displicência. atributos comuns num miúdo de 12 ou 13 anos. alheio às regras de etiqueta  de trânsito para peões, distancia-se em passada larga. guarda-chuva em punho. costas direitas. lança um olhar, ao mural de homenagem aos escritores que visitaram a terra, o tempo suficiente para registar a solenidade e confirmar que não conhece nenhum dos "laureados".volta a olhar em frente: tem um propósito, tem um destino, e tem os meios para os atingir. às costas uma mochila, com autocolantes de clubes desportivos amadores e super-heróis de renome, em quantidade e disposição inteligente. o miúdo tem bom gosto, e sabe o que faz. nos pés umas nikes pouco exuberantes, mas modelo todo o terreno. de guarda-chuva na mão, ele sabe que pode ir a qualquer lugar. na minha modesta opinião, faltavam-lhe uns fones nos ouvidos: um homem em missão tem de reconhecer a necessidade de uma boa banda sonora.
lembrei-me de ser assim. ou de querer ser assim. jovem e livre. com o todo o tempo do mundo para fazer sentido nas minhas pequenas imagens de marca, escolhidas a dedo ou pelo acaso. determinado a ser feliz, ou a chegar a horas a uma partida de cartas magic, tendo, para tal, de atravessar um dia de chuva. chuva essa tão fora de moda, nos dias que correm.