quinta-feira, dezembro 10, 2020

lullabye

 "Conta-me uma história", pediu ela baixinho, pouco antes de adormecermos.

Se essa noite fosse hoje, a história poderia bem ser esta:

"Pelas seis horas da manhã, todos estes jornais começam a vender-se nas bichas que se instalam às portas das lojas mais de uma hora antes da sua abertura, depois nos eléctricos que chegam, apinhados, dos arrabaldes. Os eléctricos tornaram-se o único meio de transporte e avançam com grande custo, com os estribos pejados. Coisa curiosa, no entanto, todos os ocupantes, na medida do possível, voltam as costas uns aos outros, para evitarem um contágio mútuo. Nas paragens, os carros despejam uma carga de homens e de mulheres cheios de pressa de se afastarem e de se encontrarem a sós. Frequentemente estalam cenas devidas apenas ao mau humor que se tornou crónico."

Albert Camus, "A Peste"

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