segunda-feira, janeiro 09, 2023

é preciso

Determinados sons
só os entendem, nesta terra,
a noite:
o do silêncio, para começar,
a seguir, o do ar pulsando nos ouvidos

Só depois chegam os mais conhecidos:
carro a passar, um sino em agonia,
folha ao longe

Mas esses: marginais,
bastardos de uma noite
que outros filhos tem

Na zona quase escura do pensar,
o tom que se perfila
permite o que de verso
e a noite entende

A terra não soçobrou, antes segura
o que de mais humano
nos abriga:
universo implodindo
nestas sombras
pulsando, independente

A frente de silêncio,
lento tornado lento,
desloca os movimentos conhecidos
dispersando-os nos sons 
e na memória

Porque a terra não cai,
e por isso sustenta o que é mais frágil
o que de mais humano
nos sustém:

disse-me alguém, numa tarde
com sol, estrada redonda

enquanto as oliveiras
menos densas que a rocha,
se seguravam, belas,
na paisagem.

Ana Luísa Amaral,  "Da Terra Sobre os sons: Fulgurações", em "E Todavia"







P.S.
(é só preciso chegar-se um pouco tarde
demais
é preciso ser-se só um pouco triste
demais
é preciso ser-se um pouco mais só
nada mais)

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