quarta-feira, maio 02, 2012

"Regresso ao consultório. Ainda ontem andava à solta pelas fragas e já hoje passei o dia amarrado a este tronco a cheirar a ozena. (...) Não tenho inspiração nem vontade de criar. Nasci para falcão de serra, e não para codorniz de baixio. Nos lavados ares do monte, tudo me excita, e os versos saem às catadupas. Aqui tiro-os a fórceps como fetos monstruosos que não querem viver.
(...) Porque eu sou artista não sou médico. Operar como eu opero, observar como eu observo e receitar como eu receito, qualquer meu colega honesto e com alguma habilidade o pode fazer. Mas escrever os versos que eu escrevo, bons ou maus, é que só eu. Contudo, não respondo às diatribes. Que hei-de eu dizer a quem nunca entendeu nada de mim?
(...) E aqui estou, mais uma vez a servi-los, ou a servir aquilo que eles julgam ser o meu destino."

- Miguel Torga, in "Diário IV"

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