Toda a mão que, invariavelmente, bule, no duro, de x a x horas diárias, por meia dúzia de éreos, ganha calo. Endurece. Fica mais rija. Consegue sobreviver mais um dia, sem sofrer males de maior entre esse dia que finda e o que se avizinha. Podemos dizer que é o rumo natural das coisas. Adiante.
Julgo que, também, a nossa paciência (ó pra mim a falar em nome da colectividade) para certas notícias dramáticas endureceu. Ou então foi o nosso coração, que às tantas, ganhou calo, e à custa disso só se comoverá por notícias que o feririam de morte em qualquer circunstância. Entretanto, o que o cérebro considera "áreas cinzentas" não enterra em qualquer submundo cognitivo, antes incenera-as. Os opinion makers chamar-lhes-ão "fait-divers". Assim os milhares de manifestantes enrascados que marcharam país fora, assim os que se abraçaram para não deixar a escola da Fontinha, nem á força da bastonada, assim, agora, os denominados Precários Inflexíveis cujo blog foi agora proíbido de referir nomes de uma empresa que, justamente, foi denunciada (ignoremos por momentos que o primeiro-ministro-sombra Miguel Relvas fez ameaças graves a uma jornalista do Público; no Público ainda há quem se sinta filho de boa gente, bateu-se o pé, e o frissom que daí adveio, de fachada ou não, é real e palpável).
Gostava de ler a sentença que obrigou o blog dos Precários Inflexíveis a ocultar os comentários nos quais se denunciava que uma empresa de marketing não pagava a trabalhadores, conforme devia. Só lendo semelhante "poema" se pode perceber até que ponto se fez orelhas moucas á denúncia em causa, para defender o direito ao bom nome da dita empresa. Porém, se nos dias que correm não podemos confiar no Público, não nos restam muitas alternativas... Do que eu me lembro de Direitos Fundamentais, do conflito entre a liberdade de expressão e o direito à honra ou ao bom nome, costuma prevalecer o primeiro, excepto quando a liberdade de expressão for abusiva. Por exemplo, se a opinião exprimida for uma mentira, que possa acarretar prejuízo para o visado. Da notícia divulgada ontem pelo Público, podemos concluir que o tribunal, independentemente das acusações dos comentários serem verdadeiras ou não, considerou o bom nome da empresa ser mais importante. E ainda que não tenha proíbido ou mandado excluir os comentários conforme era vontade da empresa visada, julgou ser mais conveniente ocultá-los. Que seria dessa empresa se tivesse de pagar pelos serviços dos seus colaboradores? Estaria o tribunal a tentar prevenir uma futura insolvência? Depois aparecerão em armaduras reluzentes, os paladinos da coragem e da verdade material berrar aos 4 ventos que o dever dos cidadãos é colaborar na realização da Justiça, desobstruir tribunais, ajudar as autoridades. Ao mesmo tempo este caso será gradualmente soterrado pela areia da indiferença; o caso de pessoas que ao denunciar sítios onde para trabahar é preciso pagar, tiveram de ser silenciados, por causarem incómodo a quem tudo fez por o merecer, porque trabalho que é com toda a certeza remunerado e denunciar situações injustas são situações do passado. E a caravana passa, cheia de calos. Ganhamos mais um fait-divers. E o país segue preocupado e aflito a discutir as abruptas mudanças de tempo e o mistério dos tractores assassinos.
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