terça-feira, outubro 21, 2014

O Guarda-chuva (Agora) Significa (Mesmo) Liberdade




Em 2006, iniciei este blog com um propósito libertador: de convenções, de medos, de sofrimentos. Quis ter um espaço onde, com a mesma naturalidade, que as minhas emoções fossem o peso e a medida, as minhas opiniões fossem ponderadas e certeiras, e um diário da minha humilde existência pudesse aflorar tranquilo com as suas tendências e idiossincrasias. No fundo, dar largas à crítica e à imaginação sem me sentir culpado ou condicionado.
A metáfora do guarda-chuva para liberdade vinha-me dos tempos de infância e adolescência: em dias de chuva (grandes tempestades), o "chuço" era um livre-trânsito para andar na rua à vontade. Ruas essas desertas, porque só um maluco anda à chuva, mesmo que remotamente abrigado. O guarda-chuva ganhou o estatuto de fiel amigo, com o qual poderias ir e fazer o que em condições normais não podes. Uma espécie de frágil liberdade, que a qualquer momento pode ser varrida do mapa, e requer que sejas tu a segurá-la pela própria mão para ser eficaz.
Em Setembro de 2014, iniciaram-se os protestos em Hong Kong contra a possibilidade de o governo de Pequim predeterminar os candidatos ao governo de Hong Kong, sujeitos a sufrágio, em violação, do estatuto de autonomia da região e das elementares regras de democracia e autodeterminação dos povos. Os protestos, conduzidos em grande parte pelos estudantes de Hong Kong, souberam prevalecer e furar a Grande Muralha de Bloqueio informativo chinesa e chegar ao mundo, que um irredutível movimento resistia hoje e sempre contra o invasor e contra brutais cargas policiais que pretendiam assegurar o normal funcionamento das instituições, indiferentes a trivialidades como a representatividade do seu Executivo. Os protestos de Hong Kong contra uma doutrina de quero-posso-mando-e-calou, que pulula nos mais diversos cantos do mundo não se deixou ficar, nem amedrontar face à diabolização nos seus media, nem com a falta de diálogo da outra parte. Batalharam por princípios, com princípios. Contra os canhões marcharam, não de espingarda, mas de guarda-chuva em punho, constituindo o maior afronta à ditadura chinesa desde Tiananmen.
Se quando rebentaram os protestos a minha solidariedade com este movimento foi imediata, a partir do momento em que descubro que a sua designação mais "oficial" e pela qual, muito provavelmente, ficará conhecida na História, ser "Umbrella Revolution" ou "Umbrella Movement", não podia deixar de fazer esta exortação. Que a voz nunca lhes doa, que a perseverança nunca lhes falhe nos braços e os pingos de chuva ou das lágrimas nunca lhes condicione a liberdade.

sexta-feira, outubro 10, 2014

Vencedora da Liga dos Campeões "Se és estúpido, estudasses e sai-me da frente" 2014


Quando uma rapariga de 14 prefere levar um tiro do que guardar desaforos em casa, por não a deixarem ir à escola, a pergunta só pode ser uma: qual é a tua desculpa? Para tirar a cabeça da areia, para questionar o que sabes, para saberes mais, dar voz à tua insatisfação e nunca desistir. Aos 17 anos já demonstrou mais coragem e clareza de espírito do que vidas inteiras de gerações de fundamentalistas cujo único deus é a morte, e de burocratas cujos únicos lemas são dinheiro e conveniência. Malala começa como um exemplo para as mulheres e para as crianças, daí para o Paquistão, e o Paquistão faz ver o mundo inteiro. Que nunca lhe falte a força ou a voz. Que as Malala's deste mundo nunca se calem, seja no Paquistão, Hong Kong, Kiev, Caracas, ou Portugal (eu sei, Portugal é um país e as restantes são cidades/zonas administrativas, a ideia é essa), e que nós as saibamos ver, ler e ouvir, independentemente do credo, raça, género, ou mesmo ideologias. Por um mundo melhor, temos de ser todos melhores. Um prémio é pouco, todos os demais são "peaners".

"Let us remember: One book, one pen, one child, and one teacher can change the world."

- Malala Yousafzai

domingo, outubro 05, 2014

O "Argumento Sócrates-Passos Coelho-Portas" - O não-argumento Costa

«(...) quando o nome de Sócrates começou a aparecer em todas as trapalhadas, histórias e negócios, do curso às marquises, do Freeport à Cova da Beira, do bizarro contrato com Figo à tentativa de controlar os media, a TVI em particular, usando a PT, quando se conheceram detalhes da iniciativa dos magistrados de Aveiro de processar Sócrates por abuso de poder, somaram-se as declarações em sua defesa de Passos e Miguel Relvas, queixando-se que lhe estava a ser movido um "ataque pessoal". Este par do PSD protegeu Sócrates quanto pôde das consequências que podia ter o inquérito parlamentar considerando que não se devia ter ido mais longe, de novo porque isso seria um "ataque pessoal". Isto vindo do mesmo homem, Passos Coelho, que há uma semana, referindo-se claramente a Sócrates numa insinuação disse: "Não possuo riqueza acumulada nem tenho em nome de tias, filhos e primos quaisquer bens". Estamos conversados.
É por isso que eu não aceito o "argumento Sócrates" em 2014 e espero que o "argumento Sócrates" se transforme no "argumento Sócrates-Passos Coelho-Portas", identificando-se assim a tripla que, desde pelo menos 2008, e até antes, ajudou a destruir Portugal, a destruir a sua economia e finanças, a pôr em causa a sua independência, a alterar profundamente os equilíbrios entre grupos sociais, a dividir os portugueses atirando-se uns contra os outros e aprovar muitas medidas iníquas, que minaram a boa-fé que deve presidir à actuação do Estado em democracia. E que ajudaram a que a democracia portuguesa conheça uma crise de representação muito grave.
Sócrates e Passos Coelho não destruíram os mesmos aspectos, não destruíram as mesmas coisas nem da mesma maneira, não actuaram de modo igual, mas deixaram um rasto demolidor de que o país muito dificilmente se vai livrar tão cedo e vai condenar os portugueses a passar os últimos anos da sua vida sem esperança nem destino que não seja empobrecer e ficar cada vez pior. Ambos mostraram pouco apreço pela lei e pelo Estado de direito, actuando no limite ou para além da legalidade, ambos se rodearam de cortes interessadas e interesseiras com origem nos seus partidos, permeando os lugares de Estado com os seus boys, numa exibição de prepotência com base nas suas maiorias absolutas. Um esbanjou sem controlo milhões e milhões em projectos "bandeira" e em má "despesa pública", outro dividiu os contratos entre os de primeira (PPP e swaps, tributos aos credores) e os de segunda (reformas e pensões, acordos colectivos de trabalho, compromissos laborais, etc.), criando desequilíbrios que fazem com que os frutos do trabalgo e da riqueza de hoje sejam pior distribuídos. Ambos permitiram a captura do sistema financeiro pela banca, com os resultados que o caso BES revela em todo o seu esplendor. E ambos usaram e abusaram dos poderes do Estado para colocarem os cidadãos no seu sítio, quer fosse com o fisco, com a inversão do ónus da prova, quer fosse a ASAE a multar restaurantes por causa de galheteiros. Ambos foram total e completamente antiliberais no plano económico, social e político.
Sócrates e Passos Coelho são muito diferentes, mas são também muito iguais. Aquilo em que foram e são mais iguais é na imoralidade que introduziram e reforçaram na vida pública, aqui também com a prestimosa ajuda de Portas. A moralidade na vida pública não se nota quando existe, mas torna-se um monstro que inquina tudo quando não existe. Ambos usaram do dolo, do engano, como método de governar, utilizando todas as técnicas das agências de comunicação e marketing, as novas formas de propaganda. Ambos desconhecem o seu país, não gostam do seu povo, não prezam a sua independência, fazem gala de não precisar da História para nada e são incapazes de aprender, embora sejam muito capazes de se adaptar sem memória, nem honra, nem compromisso com a verdade. Em suma, eles marcaram a chegada ao pdoer de uma geração de governantes muito iguais entre si, gente mal formada, mal preparada, mal-educada, mal-instruída e mal-intencionada. De gente como Sócrates e Passos Coelho.»

José Pacheco Pereira, in "O "argumento Sócrates", Público 04/10/2014

Post Scriptum: Tendo como (quase) certo posicionamento de António Costa na ala socratista do PS, este texto revelou-se bastante elucidativo do meu cepticismo sobre o futuro secretário-geral do PS, e provável futuro primeiro-ministro para o qual muitos olham e se referem como a um messias, num provincianismo bacoco. Costa é um homem da confiança de Sócrates, o seu "golpe de Estado" foi programado e apoiado por homens da confiança de Sócrates, e nos dias que correm a mera menção ao nome de Sócrates devia ser suficiente para nos afastar daqueles que dele se empossem. A minha indignação cresce, mais do que para com o homem em causa, mas com a unanimidade de que este homem, durante décadas um homem de sombra, um homem de bastidores, que foi sendo movido no xadrez político ao sabor das conveniências, como é que este homem reúne consenso para ser o homem que deve conduzir os destinos de Portugal por falar bem e ter uma boa presença. Digam o que disserem, para mim é do que se trata. Nesta altura do campeonato, essas qualidades não deviam servir sequer para levantar uma conversa de café, quanto mais validar as suas aspirações a primeiro-ministro. Ainda menos depois de imaginarmos as pessoas (ou hienas?) que já se perfilam atrás dele, depois de 4 anos longe dos poleiros.