«(...) quando o nome de Sócrates começou a aparecer em todas as trapalhadas, histórias e negócios, do curso às marquises, do Freeport à Cova da Beira, do bizarro contrato com Figo à tentativa de controlar os media, a TVI em particular, usando a PT, quando se conheceram detalhes da iniciativa dos magistrados de Aveiro de processar Sócrates por abuso de poder, somaram-se as declarações em sua defesa de Passos e Miguel Relvas, queixando-se que lhe estava a ser movido um "ataque pessoal". Este par do PSD protegeu Sócrates quanto pôde das consequências que podia ter o inquérito parlamentar considerando que não se devia ter ido mais longe, de novo porque isso seria um "ataque pessoal". Isto vindo do mesmo homem, Passos Coelho, que há uma semana, referindo-se claramente a Sócrates numa insinuação disse: "Não possuo riqueza acumulada nem tenho em nome de tias, filhos e primos quaisquer bens". Estamos conversados.
É por isso que eu não aceito o "argumento Sócrates" em 2014 e espero que o "argumento Sócrates" se transforme no "argumento Sócrates-Passos Coelho-Portas", identificando-se assim a tripla que, desde pelo menos 2008, e até antes, ajudou a destruir Portugal, a destruir a sua economia e finanças, a pôr em causa a sua independência, a alterar profundamente os equilíbrios entre grupos sociais, a dividir os portugueses atirando-se uns contra os outros e aprovar muitas medidas iníquas, que minaram a boa-fé que deve presidir à actuação do Estado em democracia. E que ajudaram a que a democracia portuguesa conheça uma crise de representação muito grave.
Sócrates e Passos Coelho não destruíram os mesmos aspectos, não destruíram as mesmas coisas nem da mesma maneira, não actuaram de modo igual, mas deixaram um rasto demolidor de que o país muito dificilmente se vai livrar tão cedo e vai condenar os portugueses a passar os últimos anos da sua vida sem esperança nem destino que não seja empobrecer e ficar cada vez pior. Ambos mostraram pouco apreço pela lei e pelo Estado de direito, actuando no limite ou para além da legalidade, ambos se rodearam de cortes interessadas e interesseiras com origem nos seus partidos, permeando os lugares de Estado com os seus boys, numa exibição de prepotência com base nas suas maiorias absolutas. Um esbanjou sem controlo milhões e milhões em projectos "bandeira" e em má "despesa pública", outro dividiu os contratos entre os de primeira (PPP e swaps, tributos aos credores) e os de segunda (reformas e pensões, acordos colectivos de trabalho, compromissos laborais, etc.), criando desequilíbrios que fazem com que os frutos do trabalgo e da riqueza de hoje sejam pior distribuídos. Ambos permitiram a captura do sistema financeiro pela banca, com os resultados que o caso BES revela em todo o seu esplendor. E ambos usaram e abusaram dos poderes do Estado para colocarem os cidadãos no seu sítio, quer fosse com o fisco, com a inversão do ónus da prova, quer fosse a ASAE a multar restaurantes por causa de galheteiros. Ambos foram total e completamente antiliberais no plano económico, social e político.
Sócrates e Passos Coelho são muito diferentes, mas são também muito iguais. Aquilo em que foram e são mais iguais é na imoralidade que introduziram e reforçaram na vida pública, aqui também com a prestimosa ajuda de Portas. A moralidade na vida pública não se nota quando existe, mas torna-se um monstro que inquina tudo quando não existe. Ambos usaram do dolo, do engano, como método de governar, utilizando todas as técnicas das agências de comunicação e marketing, as novas formas de propaganda. Ambos desconhecem o seu país, não gostam do seu povo, não prezam a sua independência, fazem gala de não precisar da História para nada e são incapazes de aprender, embora sejam muito capazes de se adaptar sem memória, nem honra, nem compromisso com a verdade. Em suma, eles marcaram a chegada ao pdoer de uma geração de governantes muito iguais entre si, gente mal formada, mal preparada, mal-educada, mal-instruída e mal-intencionada. De gente como Sócrates e Passos Coelho.»
José Pacheco Pereira, in "O "argumento Sócrates", Público 04/10/2014
Post Scriptum: Tendo como (quase) certo posicionamento de António Costa na ala socratista do PS, este texto revelou-se bastante elucidativo do meu cepticismo sobre o futuro secretário-geral do PS, e provável futuro primeiro-ministro para o qual muitos olham e se referem como a um messias, num provincianismo bacoco. Costa é um homem da confiança de Sócrates, o seu "golpe de Estado" foi programado e apoiado por homens da confiança de Sócrates, e nos dias que correm a mera menção ao nome de Sócrates devia ser suficiente para nos afastar daqueles que dele se empossem. A minha indignação cresce, mais do que para com o homem em causa, mas com a unanimidade de que este homem, durante décadas um homem de sombra, um homem de bastidores, que foi sendo movido no xadrez político ao sabor das conveniências, como é que este homem reúne consenso para ser o homem que deve conduzir os destinos de Portugal por falar bem e ter uma boa presença. Digam o que disserem, para mim é do que se trata. Nesta altura do campeonato, essas qualidades não deviam servir sequer para levantar uma conversa de café, quanto mais validar as suas aspirações a primeiro-ministro. Ainda menos depois de imaginarmos as pessoas (ou hienas?) que já se perfilam atrás dele, depois de 4 anos longe dos poleiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário