Hall de entrada de um condomínio, entre o elevador e a porta, Estados Unidos. Joe Rogan, polémico nomeado pelo Partido Republicano, ensombrado por uma série de acusações de assédio e violação, preside à sessão. À sua frente, à direita, o candidato do Partido Republicano, à esquerda o do Partido Democrata. Ambos afinados pela mesma bitola, discurso, tom, moral e cara. O público, políticos, jornalistas e curiosos, escondiam-se nas sombras do campo periférico de visão. Eu, nervoso, frente a frente com o triunvirato de protagonistas, ia respondendo às suas perguntas e considerações sobre o meu carácter, com a desenvoltura e comedimento que a solenidade da situação me permitia. Não estava, de todo confortável. Timidamente em desespero, coloquei em causa a legitimidade do presidente do comité para me estar a inquirir, quando também ele falhara para com o povo e a lei. Nunca conseguira refutar, inequivocamente, as acusações que lhe haviam feito, e que não pondo em causa a sua competência, haviam aniquilado o seu bom nome e credibilidade junto da opinião pública, condições indispensáveis para o bom cumprimento do seu mandato. Os candidatos trocaram olhares apreensivos. Rogan respondeu laconicamente, comprometido e cansado, com a certeza de estar numa posição inatacável.
Entretanto, foi entregue um envelope a Rogan que o abriu, cautelosamente. O documento que lá se encontrava, desdobrado, revelava a letras garrafais RAIVA FEMININA. Rogan levou uns dedos trémulos à face, e envelheceu subitamente, enrugando, perdendo cabelo, que ficara grisalho, enquanto os olhos e a boca espumavam sangue. Num assomo de loucura, perante o pânico dos presentes, gritou-me: "O que importa se sou acusado, quando vou morrer?" E riu-se para mim. Uma gargalhada rouca e ensanguentada salpicou a minha cara.
Apenas tive tempo de fugir, já condenado.
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