quinta-feira, fevereiro 03, 2022

mas tu chamas-me louca

 Sabes o que é irónico, brou?
Ainda penso em ti quando levanto os dedos da mão direita
como se um cigarro ainda queimasse no meio deles.
E conto-te estas merdas. Estas minhas merdas.
De quando eu estava gordo como um porco,
rockava uma monocelha e era triste como a meia-noite.
Uma tristeza tão grande que até um cego via. 
Eu, cego de amor, não.
E, no final de que valeu, sofrer aquilo tudo?
Cresci, é certo, mas não crescemos todos?
Não precisava de nada daquilo. Se o amor é aquilo,
não precisava. Pôr a bandeira, bater no peito,
essas merdas sabem bem na hora, brou
mas a mim não me dizem nada, tu sabes.
Nem as memórias são bonitas. Os olhos dela
nem abriam, o rosto não se virava para a lente.
Dois perdidos. Dois miseráveis. Dois casmurros.
Incapazes de admitir a derrota, arrastados
pelos acontecimentos.
Nesta fase, o que tem mais piada é eu
já nem saber se ela é ela, ou uma casa,
ou uma causa, ou uma escola, ou um camarada.
Tudo se misturou nesta cabeça velha, 
que, agora, sábia
não ignora ter passado 30 e tal anos
bem menos sã do que sempre se julgou.


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