This is prophylaxis, a practiced absence, a safer distance.
He is a fine clinician to diagnose this, a sound decision.
This is a family practice, it's anesthetic, it's nonreactive.
This is a termination, a fine resemblance, but no relation.
"Mas o narrador é mais tentado a acreditar que, dando demasiada importância às belas acções, presta-se finalmente uma homenagem indirecta e poderosa ao mal, pois deixaria então supor que estas belas acções só valem tanto por serem raras, e que a maldade e a indiferença são forças motrizes bem mais frequentes nas acções dos homens. Essa é uma ideia de que o narrador não compartilha. O mal que existe no mundo vem quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida pode fazer tantos estragos como a maldade. Os homens são mais bons do que maus, e, na verdade, a questão não está aí. Mas ignoram mais ou menos, e é a isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza então a matar. A alma do assassino é cega e não há verdadeira bondade nem belo amor sem toda a clarividência possível."
Um cu diz-nos mais que mil palavras. Prende-se mais o olhar a um cu do que a uns olhos que chorem. Mas um cu pode ser autoritário. Nunca ambicionou ser mais que alvo de desejo. Se esperares algo mais dele, estarás a objectificá-lo. A contribuir para uma sociedade hierarquizada pejada de ismos. A partir do momento em que te aperceberes que aquele cu está, tridimensionalmente, em todo o lado à tua volta, serás oprimido por não poderes olhar para mais nada. Mesmo que não o desejes, ou estejas farto de o desejar. Terás de o ver, terás de o querer, terás de o perdoar e de lhe pedir perdão. Porque a rede sabe que já o quiseste. E isso chega para perpetuar a prisão. O teu pensamento, tecido à medida para os teus sentimentos, não serve à realidade. Ou adoras o cu, ou adoras o cu, ou mereces morrer. Como um animal que deita os cereais antes do leite.
"Conta-me uma história", pediu ela baixinho, pouco antes de adormecermos.
Se essa noite fosse hoje, a história poderia bem ser esta:
"Pelas seis horas da manhã, todos estes jornais começam a vender-se nas bichas que se instalam às portas das lojas mais de uma hora antes da sua abertura, depois nos eléctricos que chegam, apinhados, dos arrabaldes. Os eléctricos tornaram-se o único meio de transporte e avançam com grande custo, com os estribos pejados. Coisa curiosa, no entanto, todos os ocupantes, na medida do possível, voltam as costas uns aos outros, para evitarem um contágio mútuo. Nas paragens, os carros despejam uma carga de homens e de mulheres cheios de pressa de se afastarem e de se encontrarem a sós. Frequentemente estalam cenas devidas apenas ao mau humor que se tornou crónico."
A família das Garrafonas sempre foi, para mim, um mistério. Digo para mim, porque, aparentemente, não o é para mais nenhum dos meus conterrâneos, seja família, amigos ou conhecidos. Quando revelo que não saber quem são as Garrafonas, a resposta é curta e óbvia "sabes, sabes. agora é que não estás a ver." Mas de facto, não sei, nem vejo. Nunca travei conversa com nenhum dos seus afamados membros, e decerto lembrar-me-ia se alguém se fizesse apresentar ou conhecer por "o Garrafão". Mas o problema também está aí: não é "o Garrafão", são as Garrafonas.
Pareceu, certo dia, que, finalmente, o meu exílio coscuvilheiro iria terminar, quando ouvi uns amigos referirem-se ao professor Chico, como o Chico Garrafão. Perguntei se era Garrafão por andar na pinga, mas não; era "porque é casado com uma Garrafona". Mas eu não sei quem são as Garrafonas. "Claro que sabes". E não, não sabia. Vi a dita senhora uma vez na vida, se tanto, não lhe fixei o nome e nada na sua aparência a tornou memorável, nomeadamente, por se assemelhar a um garrafão; tão pouco por se assemelhar a outra pessoa com traços de garrafão. Ou Garrafona.
Bem se vê que fiquei na mesma. Sem uma cara para associar a tão reputada família de cognome matriarcal. Agora com a agravante de associar o professor Chico, e todos os seus familiares consanguíneos, aos Garrafões, com os seus olhos azuis, cabelos louros, e amantes da boa vida. De vez em quando tento a minha sorte e pergunto se o não-sei-das-quantas é um Garrafão. A resposta é quase sempre a mesma: "não, a mãe é Garrafona, mas o pai é dos Paulinos".
Ora, merda.
terça-feira, outubro 20, 2020
Sortudos dos mal-amados nos filmes. Cujo abandono é uma antecâmara para um amor maior, que toda a gente já adivinha desde a segunda ou terceira cena. No final, fica tudo bem. Sortudos.
eterna sabotagem. eternos culpados. irredimíveis. a felicidade faz-se com um "sim". a ausência é um "não". a inquietação é um "não". que se confunde com ambição. um simples sim cortava distâncias. ao invés de bacoca nobreza de espírito, que mais não é do que medo. que o sim seja um sempre. e sempre é muito tempo. o tempo é universal. as pessoas não. por isso arcam elas com as culpas do azar que lhes determinamos.
"Vinte e dois anos antes - ao fim de uma licenciatura além da qual, por falta de dinheiro, ele não pudera ir -, tinha aceitado este emprego, onde lhe haviam dado a esperança, dizia ele, de uma «rápida efectivação». Tratava-se apenas de dar durante algum tempo provas de competência nas questões delicadas que implicava a administração da nossa cidade. Depois, tinham-lhe garantido, não deixaria de chegar a um lugar de redactor, que lhe permitiria viver largamente. Certamente, não era a ambição que fazia agir Joseph Grand, segundo ele afirmava com um sorriso melancólico. Mas a perspectiva de uma vida material assegurada por meios honestos e, consequentemente, a possibilidade de se entregar sem remorsos às suas ocupações favoritas, sorria-lhe muito. Se tinha aceitado a oferta que lhe faziam fora por razões respeitáveis e, se assim pode dizer-se, por fidelidade a um ideal.
Havia muitos anos que este estado de coisas provisório durava."
"Quando rebenta uma guerra as pessoas dizem : «Não pode durar muito, seria estúpido.» E, sem dúvida, uma guerra é muito estúpida, mas isso não a impede de durar. A estupidez insiste sempre e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós."
"É de ficarmos pasmados. Se os erros «mais comuns» de português chegam a 500, então os erros comuns e os menos comuns hão-de orçar pelos vários milhares, e o idioma seria um campo de minas, onde cada deslocação centimétrica levaria ao desastre. Mas, que fazer, as sacerdotisas e os sacerdotes do Erro são gente empenhada, sempre a segurar-nos pelo braço, não fôssemos nós afundar-nos num precipício.
(...)
Esta convicção de ser um instrumento irremediavelmente adulterado aquele com que nos exprimimos é, se virmos bem, comum a todo este clã, qualquer que seja o grau de ingenuidade ou de charlatanice. Caracteriza-os a desconfiança como método, que só convém incentivar a insegurança generalizada no utente. Aos olhos destes novos normativistas, tudo quanto no idioma não for lógico, racional, arrumadinho, feito a régua e esquadro, é banido como incorrecto, impróprio, condenável. O velho mantra «A língua está enferma» motiva-os, a todos, na nobre missão de nos desmoralizarem."
Fernando Venâncio, in "Assim Nasceu Uma Língua - assi naceu ũa lingua"
- o que é surpreendente, e difícil em ti, é que tu não esqueces.
- sim. por norma perdoo, mas não esqueço.
- isso assusta qualquer um que lide contigo.
- é como carregar o peso do mundo.
Os isolamentos atingem-me no goto, como se fossem uma bola demolidora, e o goto um saco lacrimal. Fico mais susceptível que uma grávida a ver os "Love Actually" desta vida.
(Disse isolamentos porque desta vez foi este distanciamento social a ditar os metros de distância dum calor humano qualquer. Normalmente são fins de paixões assolapadas, tapetes profissionais tirados debaixo dos pés e o diabo a sete. Tudo eventos que me remetem para um canto escuro a fim de alinhar os chacras.)
O que me comoveu, vou partilhá-lo antes que me perca na logística das omeletes e arrozes de tomate. Uma série sobre um programa televisivo de luta livre feminina, em que o realizador escolhido para dirigir o projecto é um frustrado, sensação série B dos anos 70, que ainda não percebeu que os 80 já vão a meio. Ao longo de três temporadas, vemos este estranho clone de Stan Lee, amargo mas apaixonado, severo mas disruptivo, a ambientar-se a uma zona fora do seu conforto, a apaixonar-se, a reinventar-se profissionalmente, a descobrir que tem uma filha, que o idolatra desde criança, e que, por sinal, tem muito mais talento do que ele.
Chega, então, o momento de poder ser o pai presente que nunca quis ser. Presente nas reuniões de trabalho, das quais a filha impaciente quer baldar-se para fazer as coisas como ele fez na sua idade. Ele não deixa, insulta-a, não a quer ver desperdiçar talento, nem que para tal tenha de ir ao beija-mão de todos quanto desprezou nos seus tempos áureos. Quando a busca começa a compensar, e os resultados a aparecer (afinal a qualidade tende a ser recompensada), o homem tem um ataque cardíaco. Não houve uma queda aparatosa. Não houve um "amo-te minha filha". Nada. Apenas uma estóica atitude de "não vais foder tudo agora, morte".
Aguentado o tempo suficiente para dar as chaves do carro à filha para ir festejar sozinha a sua conquista, pede a um traseunte qualquer que lhe chame uma ambulância. Fintou a morte por pouco, e à filha nem uma palavra. Diz ao médico que não tem a quem contactar. Regressa a casa, e a miúda não lhe perdoa, no trato execrável que lhe herdou, não ter ido celebrar com ela. Ele manda-a foder. Ela quer que ele realize o filme dela, e não aceita que a sua carreira comece de outra forma.
E comovi-me. Com este simples, e caricato exemplo, de homens e mulheres que vivem a vida a achar que merecem tudo de mau, porque deram tudo de mau que tinham, e aguentam até a morte, para fazer algo certo por quem ainda tem a vida toda pela frente. Não é mentira que este sofrimento solitário leva a muitos mais fardos, e não poucas vezes se revela um ridículo desperdício de energia emocional, evitável se as pessoas falassem, sem medo, do que sentem.
A cena é que os velhos não falam de sentimentos. Amam, fodem tudo, e orgulham-se quando acertam, pelo menos uma vez. Normalmente, só se gabam quando a velhice lhes vence a casmurrice.
"A atitude de fundo, nas páginas que se seguem, é a de objectificar as palavras, encará-las como criações, como soluções, o que elas, como produtos históricos, deveras são.
(...)
Anote-se , de passagem, a originalidade da palavra luar. Ela existe em português, existe em galego, mas não a achamos noutras línguas europeias. Em espanhol diz-se luz de luna, em catalão llum de luna, em francês clair de lune, em inglês moonlight, em alemão Mondlicht, em neerlandês maneschijn. Em suma: enquanto luar é um conceito, tudo o resto são descrições."
Fernando Venâncio, "Assim Nasceu Uma Língua - assi naceu ũa lingua"
à espera que o nada aconteça
para eu acontecer sem mais nada
não que solução não apareça
ou que se concluiu esta jornada.
mas eu estou sentado nesta mesa
a rever os dias da minha agenda parada
e a angústia que o meu medo professa
acomoda-se na insónia da noite passada.
"- Já é tempo de acabar o século do rato e começar o da andorinha - disseram os mais resolutos. E de facto já sob o torvo e mesquinho predomínio dos ratos se sentia, entre a gente menos à vista, incubar um movimento impetuoso das andorinhas, que apontam para o ar transparente com um ágil golpe de cauda e desenham com a lâmina das asas a curva de um horizonte que se alarga.
Voltei ao cabo de vários anos a Marozia; a profecia da Sibila considera-se cumprida há muito tempo; o velho século está enterrado; o novo está no auge. A cidade mudou, claro, e talvez para melhor. Mas as asas que vi por toda a parte são as de desconfiados guarda-chuvas sob os quais pálpebras pesadas se baixam sobre os olhares; há gente que julga voar, mas já é muito se se elevarem do solo desfraldando balandraus de morcego."
As rodas dentadas da existência
desaceleram
de vagar
sem ningém acreditar
que páram.
O mundo não mexeu
dali.
O pânico revelou-se mudo.
Tudo acontecia.
Tudo tinha acontecido.
Nada de respostas.
O Dr. Manhattan
no início e no fim.
A roupa de uma gaja
qualquer no meu corpo
e o cheiro das drogas dela
no meu cabelo
com tinta cor-de-rosa
escorrida das paredes
para o interior da série
que estou a escrever.
Será incrível
o teu potencial
que todos vêem
mas em que ninguém acredita.
Esta conversa que travas contigo mesmo
dá-te vontade de fazer perguntas,
não dá?
Por que começas os teus argumentos
e as tuas desculpas
com um não?
Isto é um poema,
uma prosa
ou um post de facebook
sobre a falta de civismo dos portugueses,
questionamos-te.
Um gole de vinho
e uma cozinha
por arrumar.
Não acabaste as descrições.
Ou as alucinações.
Isto não são "Os Maias".
Isto não é português.
Isto não são as drogas
na tua língua
ou a minha língua
entre as tuas pernas.
Um chapadão de resposta
que tens de dor
das algemas que esquartejam
os teus membros
presos e esmagados
pela feroz realidade
dos quatro pontos cardeais.
É o medo.
Aqui, mesmo.
Ausência de movimento.
O mundo sabia
e não estava preparado
O teu pai não acreditava
Agora não o vês.
E não tem mal
porque assim não existe.
A traição aos teus
lembra-te a gravidade
a puxar-te rumo ao chão,
de entre todas as forças
para todos os outros lados.
E
mais uma vez, Pedro Ribeiro
Conseguiste aquilo que pediste,
e tão pouco fizeste por merecer:
Solidão;
Um quarto fechado
com todas as memórias
de todas as mulheres
com quem fodeste
a foderem-te ao mesmo tempo
na mesma foda
na mesma febre
que não tens
porque não tens sintomas
nem imaginação
nem inteligência
ou trabalho.
O mundo não parou,
parvinho.
Só tu.