quarta-feira, dezembro 11, 2019

2019 em tops

Depois de em 2018 me ter lançado no mundo dos tops e retrospectivas, decidi repetir a brincadeira. No fundo, porque é divertido reouvir os álbuns fresquinhos que fizeram o meu 2019, explorar o que o artista a ou b andaram a fazer, hierarquizar os favoritos conjugando as minhas preferências com a sua relevância. Como há um ano, alerto que não tenho a veleidade de dizer que é a lista das listas, das melhores das melhores, das derradeiras obras primas de 2019. Não. Aliás, em Janeiro, com a anterior lista acabada de publicar, descobri Bombino e um álbum fantástico que lançou em 2018. Infelizmente, e mesmo com ferramentas como o Spotify e o Youtube, continuam a existir artistas que nos passam ao lado, e aparecem gloriosamente quando menos contamos. O que torna estes best ofs mais pobres, mas ao mesmo tempo a vida de um melómano mais excitante.
A  menos que os King Gizzard se lembrem de voltar a publicar um álbum em 31 de Dezembro, salvo douta melhor opinião, os melhores álbuns nacionais e internacionais de 2019 são os seguintes:

Álbuns Internacionais:

1. King Gizzard & The Lizzard Wizzard - Infest The Rat's Nest
2. King Gizzard & The Lizzard Wizzard - Fishing For Fishies
3. Lana del Rey - Norman Fucking Rockwell
4. Snarky Puppy - Immigrance
5. Tool - Fear Inoculum
6. Chelsea Wolfe - Birth of Violence
7. The Black Keys - Let's Rock
8. The Physics House Band - Death Sequence EP
9. Patrick Watson - Wave
10. Billie Eilish - When We All Fall asleep, Where Do We Go?


Menções honrosas: Elder - The Gold & Silver Sessions; Tinariwen - Amadjar, Pelican - Nighttime stories, Aurora - A Different Kind Of Human - Step 2, Russian Circles - Blood Year, Baroness - Gold & Grey, trentemoller - Observe, Slipknot - We Are Not Your Kind, The Cinematic Orchestra - To Believe, Amyl And The Sniffers - Amyl And The Sniffers; Summon The Fire - Trust In The Lifeforce of The Deep Mistery

Os álbuns internacionais foram muito menos cativantes do que é costume noutros anos não obstante os muitos comebacks, o que tornou mais bicuda a tarefa de avaliar a sua qualidade, nestes tempos de mercantilização da nostalgia. Destaco o aguardado regresso de Tool às músicas novas; apesar de nenhuma delas se destaca na sua icónica discografia, também nenhuma tem um fã que não a ansiasse ouvir, e todas são catalogadas com um selo de"quanto mais ouço, mais gosto". The Physics House Band marcaram o meu ano com um ep de altíssima qualidade entre o prog e o jazzy. Com sensivelmente meia hora, assumidadamente pequeno, conciso, a dar um cheirinho de novos clássicos para rasgarem em cima de palco, o que, I shit you not, vale muito a pena. Saudei o regresso dos Black Keys, bons demais para se limitarem a uma one hit wonder band, e com 3 ou 4 malhas que passam tão bem numa djset hipster como nas manhãs da Comercial. O que, goste-se ou não, impõem respeito. E mais ou menos se pode dizer da Billie Eilish, que agrada a gregos e troianos, novos e velhos, enche arenas e, pior, fica no ouvido. Snarky, Lana e Patrick Watson, por seu lado não sabem fazer maus álbuns. Os seus estilos são apurados e característicos, e voltamos a eles como a jantares com velhos amigos. Já Chelsea Wolfe relembrou-nos a razão pela qual é uma das coqueluches do rock internacional. O seu "Hiss Spun" ficou aquém do fenomenal "Abyss" (que herança pesada!), o que me deixou céptico em relação ao novo álbum. Porém, sem medo a senhora atirou-se ao folk gótico com canções como "Highway", "Mother Road" e "Deranged for Rock N Roll", que nos dão vontade de correr o Grand Canyon de carro com uma guitarra acústica no banco de trás. A prova de que o doom é quando a senhora quiser.
Mas quando os campeões voltam, voltam mesmo. Para a maioria das bandas uma pausa de 1 ano é um intervalo. Para os Gizzard é uma Idade de trevas, séculos de ausência, desesperança e morte. Que melhor forma de quebrar o marasmo com dois álbuns, quase de assentada, que não se levando muito a sério levam à mesa o tema mais sério da parada: a salvação do mundo? O Fishing For Fishies é mais comedido, groovie e fácil de esperar dos senhores. Uma nova demonstração de que estes Lord of The Riffs nem tem medo de pôr o povo a dançar, sem ter de cantar 10 mil vezes "Rattlesnake": "Plastic Boogie" e "Boogieman Sam" dão vontade de chamar a moça mais roliça de jardineiras vestidas e palha no canto da boca para vir dançar, enquanto trauteamos letras acerca do quanto estamos fodidos, a afogar-nos em plástico. Mas existem mais: "Fishing For Fishies" é uma fofura, e "Cyboogie" é adição pura, com o seu videoclip retrofuturista a levar-nos a questionar se os senhores não colaram o pistão de vez.
Nadar com peixinhos e micro-plásticos ao som de blues é bom. Mas moshar ao som de metal interplanetário é, e será sempre, melhor. Tudo em "Infest The Rats Nest" é fixe e desafiante. Um verdadeiro marco que só peca por alguma previsibilidade nalgumas músicas. A capa é uma referência à séria animada "Masters of The Universe", mais precisamente, ao trono do vilão Skeletor, esse malfeitor badass, com cara de caveira. Ironicamente (ou não), trata-se de um álbum de trash metal sobre questões ambientais. Mas não um trash reinventado, polido, intelectualizado: trash do antigo, quais Metallica adolescentes, mas a soar a King Gizzard. A aventura começa com o slogan de uma geração, sob o rufo de uma pedaleira dupla: não há planeta B. Daí partimos para uma viagem pelo hiperespaço, qual "10.000 Anos Entre Vénus e Marte" versão metal, e parece-nos que semelhante narrativa épica não podia ser contada de outra forma (desculpa Tio Cid). Evocam-se imagens de uma Humanidade, sem alternativa ou esperança, expatriada de um Marte para os ricos ("Mars For The Rich"), à procura de Vénus ("Venusian 1", "Venusian 2"), a vaguear num espaço infinito de detritos, rumo ao inferno. Lógicamente, a última música chama-se "HELL". Assim mesmo, em maiúsculas, do início ao fim. Pelo meio ainda há tempo para uma malha digna de desert sessions ou de estádios cheios: "Superbug".  Não esqueçamos os videoclips, com singles escolhidos a dedo, que contam uma história distópica tragicómica, bipolar e nonsense, que começa num massacre de idiotas e acaba num forrobodó technoviking ao som de gesso martelado.
No fim, os Gizzard não se levam a sério, mas levam muito a sério o que fazem. E enquanto o fizerem, o título de King ficar-lhes-á sempre bem no início do nome.



Álbuns Nacionais:

1. Solar Corona - Lightning One
2. David Bruno - Miramar Confidencial
3. Classe Crua - Classe Crua
4. Stereossauro - Bairro da Ponte
5. MUAY - SEMFIM
6. Loosense - Saloon
7. Capitão Fausto - A Invenção do Dia Claro
8. Emmy Curl - OPORTO
9. Chico da Tina - Minho Trapstar
10. Mão Morta - No Início Era o Frio

Menções Honrosas: Direwolves - Ask Me For Nothing, Pás de Probléme - The Shape of Party To Come, The Black Wizards - Reflections, Slow J - You Are Forgiven, Heavy Cross Of Flowers - Heavy Cross Of Flowers, 10.000 Russos - Kompromat


A produção nacional está boa e recomenda-se. Parece que foi noutra era, aquela em que cresci e se contavam pelos dedos das mãos os bons projectos portugueses, originais e bem tocados. Hoje em dia, há de tudo, do hip-hop à soul, ao folk, à música cantada em português, inglês, instrumental, até projectos de nicho convertidos em fenómenos virais.
Os Mão Morta não sabem fazer maus álbuns, e é tão bom voltar a ouvi-los com o seu crivo pessimista, entre sonoridades ambientais. Já o Chico da Tina entrou-nos pela internet adentro, e a sua originalidade  alto-minhota relou a concorrência. Uma paródia aos estereótipos do rap, ou um verdadeiro, à moda antiga, com orgulho na sua ascendência de festas populares, champarrião e profundos conhecimentos artísticos? A resposta é ouvi-lo em loop e tirarmos as nossas conclusões. E onde o senhor do triangle chest representa Viana, Emmy Curl canta o Porto como já tínhamos saudades que o cantassem. De forma eternecida e doce, a Emmy trouxe-nos um álbum carregado de saudade e maravilhamento por essa cidade que apesar de fria e resmungona, mostra que o mundo todo pode caber entre "Cedofeita" e os "Aliados", entre o "Passos Manuel" e as "Devesas", haja "Good Dancers" (lindy hoppers, quiçá) com coração para bailar a "Dança da Lua e do Sol". 2019 foi também o ano em que quebrei a cisma com Capitão Fausto e a sua aura de nova-promessa-indie-em-português-que-vão-substituir-os-Ornatos. Eu, pecador, me confesso: o que andei a ignorar? Esta banda é uma máquina de canções! Fáceis de trautear, com letras naïf à vista desarmada, e desarmantes à vista naïf. Ouvi-los é recordar como é fácil nos apaixonarmos e em "fazermos as vontades para agradar ao nosso amor". "Lentamente", "Certeza", e "Sempre Bem" são clássicos instantâneos, com a certeza de que há mais de onde esses vieram. Este também foi o ano em que conheci os Loosense. Bandas portuguesas em formato big band não são muito comuns, muito menos com a qualidade técnica e aptidões para as músicas groovy intermináveis, como é o caso. "Saloon" é álbum para rolar em festas, em chillouts, no trabalho, ou ao pequeno-almoço de torradas de pão de centeio com meia de leite. As influências de Snarky Puppy podem ser óbvias, mas isso nunca +e mau. Os MUAY são um bom exemplo de que há santos da casa que fazem milagres. Já peritos no seu post-rock ambiental, sem medo de soar simples, porque o simples nunca é só o que parece. As suas experiências de composição com sequelas, reinterpretações e reedições em cada concerto e álbum novos, têm um novo capítulo em "SEMFIM", onde repetem tudo de bom que já haviam feito, de modo a criar um encadeamento, cronologicamente não linear de músicas novas e antigas: ouvindo uma malha, até se pode ouvir todas, mas nunca se ouve definitivamente tudo de todas.
No que se refere aos álbuns mais rodados /antecipados do ano, o "Bairro da Ponte" foi uma escolha óbvia. A vantagem de ter sido lançado no início de 21019 permitiu-me ouvi-lo mais vezes no meu som sistema, e deu tempo a ouvintes novos para se ambientarem a uma (re)mistura de fado com hip-hop à velocidade morna de ritmos africanos. Claro que também há espaço para um "Código das Rua", com Ace, ou um irascível "Ingrato", com Nerve, mas a marca do disco está nas malhas como a doce "Flor de Maracujá", a esperançosa "Vontade de Deus" ou até mesmo no remix da "Verdes Anos", como se a saudade pudesse ter todas as cores do arco-íris. Na outra mão, temos Classe Crua que, sem cerimónias, faz spoil no nome: a classe de Sam, e a crueza de Beware Jack. O registo low-fi e nostálgico dos beats mistura-se como mel com a voz rouca do contador de histórias, e fica cravado na alma, enquanto damos por nós a coleccionar música após música nas nossas playlists, até que shieet! já ripamos o álbum todo. Assim se faz um clássico instantâneo. A terceira mão, não existe, mas se existisse tinha de ser inventada, como o último romântico de Mafamude, David Bruno, himself. Mestre na conceptualização do imaginário xunga, dB não pára de nos surpreender com a sua capacidade de storytelling do Portugal profundo que existe na sua amada Nova Gaia. Todo o hype que antecedeu "Miramar Confidencial" foi digno de um streammy, tal o seu comprometimento com a documentação da vergonha pública de Adriano Malheiro Caloteiro. Hype esse totalmente justificado na imortalizada ascensão e queda de um Ícaro lusitano em plena época das vacas gordas. Uma história dos nossos dias que queríamos ter tido os tomates de contar como ele a cantou, mas que nem nos lembramos a tínhamos dentro de nós até ouvir aquele "Bebe & Dorme". Fomos meros intervenientes acidentais, e adoramos.
Porém, o ouro da casa fica à bela osmose entre Barroselas e Barcelos que são os Solar Corona. "Lightning One" entrou em 2019 sem pedir permissão, acertou nas colunas como um raio (pun intended), e acaba antes de termos noção do que acabamos de ouvir. Rock puro, enérgico e estiloso, na boa tradição stoner, evocativa de desert sessions. Talvez por essa razão tenham optado pela velhinha cassete para o comercializarem em formato físico.  É um álbum pejado de coisas boas: riffs pesados mas orelhudos, teclados a dar tonalidades ora épicas ora ambientais, suspiros roucos a fundir-se com a distorção, um saxofone a coroar de doce malhas como "Drive-In" e "Speedway", que de tão aceleradas devem ser consideradas dopping em alguns países. Mas também não nos podemos esquecer-nos do groove assasino de "Beehive" ou "Love is Calling". Num tempo em que muitos passam atestados de óbito ao rock n' roll com uma leviandade confrangedora, ainda saem álbuns destes, que são lambada do início ao fim, no carro, ou no festival, na ceia com os amigos, ou no spotify do trabalho. Venham mais!



Bónus:

Melhores concertos:

1. The Physics House Band @ Maus Hábitos, Porto
2. Om @ Sonicblast Moledo, Caminha
3. Bixiga 70 @ Mimo Amarante, Amarante
4. Daughters @ Amplifest, Hardclub, Porto
5. Touché Amoré @ Amplifest, Hardclub, Porto
6. Orange Goblin @ Sonicblast Moledo, Caminha
7. Jorge Ben Jor @ NOS Primavera Sound, Porto
8. Godspeed You! Black Emperor @ Hardclub, Porto
9. Red Fang @ LAV, Lisboa
10. Nerve @ Pérola Negra, Porto

Menções Honrosas: Solar Corona @ CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, Guimarães; Lucifer @ Sonicblast Moledo, Caminha; Chico da Tina @ Mimo Amarante, Amarante; Muay @ Woodstock 69, Porto; Sons Of Kemet XL @ NOS Primavera Sound, Porto; Jambinai @ NOS Primavera Sound, Porto; Viaga Boys @ NOS Primavera Sound, Porto


domingo, dezembro 01, 2019

sink or swim

eu nado, como corro, como penso, como falo: a eito. os destroços dos obstáculos emaranham-se nas minhas articulações quando os atravesso. por essa razão as tenho todas fendidas. consigo adivinhar o mau tempo de amanhã, e arrasto comigo essas correntes auto-infligidas. ao quilómetro 10 já percebi que é difícil acompanhar-me com este peso. homens e mulheres mais inteligentes do que eu foram-me abandonando pelo caminho, e ora são felizes em corridas mais personalizadas. à minha vista desarmada. o meu percurso recto e inexorável amplia-me a visão lateral, e não me furto de olhar. é como uma droga. mais detritos se enredam nos meus passos. a herança é pesada. eu torno-me um obstáculo em mim mesmo, que não consigo ultrapassar. como é que alguém salta por cima de si próprio?
mas vou no quilómetro 10. nunca aqui tinha chegado. nunca tinha sido este eu. o tempo amanhã pode ser diferente daquele a que o meu corpo me condenou. há de haver algum sentido nisto tudo. os heróis ainda não foram todos inventados. estupidifico. mais vale não saber. só me dói a mim e não ao universo. ignoro. menos é mais.
prossigo.


quinta-feira, novembro 28, 2019

ai-cu

Nos dias que correm
ninguém me percebe:
no entanto, todos
me percepcionam.
Em mim, nada difere
dos demais, e no entanto,
tudo se diferencia.
Quem me refere
nunca me referencia.
A culpa é da minha
tendência para racionalizar
e não raciocinar
quando falo
o que não verbalizo.


terça-feira, novembro 12, 2019

ok computer.

Ontem não te vi nos jardins da Gulbenkian. (Era tarde, fazia vento, chuva, e nunca lá fomos juntos.) Esperei-te à entrada, com vergonha dum mundo superior de portas abertas. Certo de sair dali doente. Entretanto tu corrias à beira Tejo. Fazia sol.

segunda-feira, novembro 11, 2019

crocodilo dandy



Deliberei por unanimidade
sozinho
executar as deliberações
por mim tomadas
sozinho
em todas as outras assembleias
de mim comigo mesmo:

Ser artista sem receio.
Vestir o fado
Responder pelo nome que escolhi
Apontar tudo
Usar mochila
como quando era feliz
Lá dentro um caderno e uma caneta
Banda sonora nos ouvidos
Outono no corpo
para sempre
Os pensamentos escritos a sangue
As ironias cartoonadas a grafite
As sapatatilhas gastas
de calcorrear o inferno de uma rua
E as metástases de um amor findo
a trilhar o coração.

O futuro fica-me melhor num pedestal
Ao alcance da vista
Que as minhas hipocondrias me fazem crer
estar a piorar.
Preciso de ter pena de mim, à vontade
Agora que a minha experiência do mundo
Me ensinou que a culpa é toda dos outros.




quarta-feira, outubro 30, 2019

Da sinceridade


"I'm losing sleep, I'm losing friends
I've got a love hate love with the city I'm in
I'll count the hours, having just one wish
If I'm doing fine there's no point to this"

terça-feira, outubro 29, 2019

ouriço de recusas

nunca fui de falar sobre as estrelas
(tenho a cara de olhos no chão
e por via disso problemas de costas).
escrevo sobre o que sei e o que sinto.
com a mesma certeza do tempo
que mói, autoritário, a sua mó
sem se desviar um milímetro
pelo delta de leitos de pedra
que se estendem à sua frente.
o etéreo não me seduz se não o sentir na pele
como vento e o frio:
a minha imaginação voa sem limites
e vai beijar o lado de dentro
das grades do meu crânio.

no entretanto, acredita-se no caminho
que só se faz caminhando.
sem fé, o caminho não existe.
a missão faz-se pelo caminho que se escolhe.
o caminho é uma religião.
que também aceita não-praticantes.


quarta-feira, outubro 23, 2019

"não sejas mimelo, Pedro"



"Just a simple conversation
About nothing much at all
Couldn't keep me in the room
I just kept walking
Down the hall
But now I understand
Just what a fool I'd been
No matter what the context
I won't have that time again
(And I'll live with that)"

segunda-feira, outubro 07, 2019

"Na praça há o paredão dos velhos que vêem passar a juventude; ele está sentado em fila com eles. Os desejos são já recordações."

Italo Calvino, "As Cidades Invisíveis"



sábado, outubro 05, 2019

desculpa, mas Nakata é um pouco burro, e não sabe ler.

"Eu tenho a poesia toda metida no meio
do teu silêncio, digo, o
que só cega cabe a demorar
um pouco mais a vinda da ausência que
se vem
é porque o mundo foi feito de outra forma
e nós não estávamos lá para dar a nossa
ou simplesmente sorrir.

Frio__pessoa de querer bem e
afligir cabeça de família, dinheiro
para o mês. Não consigo suportar
a palavra de o amor não ser 
um acto de vontade. Não quero vencer
porque isso seria a forma mais
discreta de emigrar e eu não quero
ser discreto, se os documentos
subidos a custo para eu poder
ouvir música, sozinho no meu quarto,
às cinco da manhã.

Que te basta perceber de mim?
(Não foi fácil descobrir que eu sou
do tamanho do teu mundo.)
Diz assim o teu mestre de yoga:
árvore, era uma vez
depois de muitas vezes descobriu
que estava presa à terra
e ao ar
e ao sol
e à chuva
e não apenas ao seu corpo.
Então a árvore teve que escolher:
ou era vaidosa ou não era ignorante.
Tu achaste nisto uma metáfora.
Eu pensei (mas não disse):
- Não é fácil ser amigo de uma árvore.
- Porquê?
- O sol, a chuva, o ar.
- Nada. Um copo de água.

E fui deitar-me na minha apetência pela
tarde até acordar com a água verde a subir-me
pelas costas. Foi simples levantar-me. Havia uma
casa mas ninguém se aproximou. Deixaram-me
reparar sozinho as consequências da que podia
nem sequer ter existido."

Rui Costa, "Como Eu Comi a Cabeça do Escorpião Budista", em "Mike Tyson Para Principiantes"


sexta-feira, setembro 27, 2019

quarta-feira, setembro 25, 2019

ser-não-vivo


"A minha vida acabou quando eu tinha vinte anos. Desde essa altura não tem passado de uma série de reminiscências, um corredor longo e sombrio que não leva a lado algum. Contudo, não tive outro remédio senão continuar a viver, sobrevivendo a cada dia vazio que passava, sabendo que vinha aí mais um dia vazio por preencher. Durante todos esses dias cometi uma quantidade de erros. Não, isso não é correcto - às vezes tenho a impressão de só ter cometido erros. Sentia-me como se estivesse a viver no fundo de um poço fundo, completamente fechada dentro de mim, amaldiçoando o meu destino, detestando tudo à minha volta. De quando em quando, ganhava coragem e atrevia-me a sair de dentro da minha casca, encenando aos olhos dos outros uma existência digna desse nome e celebrando o facto de estar viva. Aceitando o que me aparecia à frente, arrastando-me penosamente, amorfa, pelo mundo, sem sentimentos e fazendo pela vida. Dormi com muitos homens. Cheguei mesmo a viver uma relação que era uma espécie de casamento, mas sem nenhum significado para mim. Acabou tudo num instante, sem nada para contar a não ser as cicatrizes deixadas por tudo o que deitei a perder e desprezei."

Haruki Murakami, "Kafka À Beira-Mar"

terça-feira, setembro 24, 2019

"I took the mother road / down to goddess flesh"



"Dirijo-me ao coração da floresta. Sou um homem oco. Personifico o vazio que devora tudo o que tem substância. Por isso nada há a temer. Absolutamente nada.

E dirijo-me ao coração da floresta."

Haruki Murakami, "Kafka À Beira-Mar"

quinta-feira, setembro 19, 2019

Do que eu tenho saudades, ex-amor,
É do tempo
Que ora jaz entalado entre dois arquivos
um mais morto que o outro.
Era tempo,
e não talento,
o que eu tinha a sobrar-me nas mãos
nas pachorrentas tardes
a meio da semana
no Porto deserto.

 

segunda-feira, setembro 16, 2019

motoristas de matérias perigosas



"- O que Tchekov quer dizer é o seguinte: a necessidade é, em si mesma, um conceito, e possui uma estrutura que é diferente da da lógica, da moral ou do significado. A sua função assenta inteiramente no papel que desempenha. Todas as coisas que não desempenham uma função, não têm razão de existir. O que a necessidade pede tem forçosamente de existir. É aquilo a que se chama dramaturgia. A lógica, a moral ou o significado não são para aqui chamados. Tem tudo a ver com as relações que se estabelecem. Tchekov entendia muito bem o que era a dramaturgia.
- Isso é muita areia para a minha camioneta."

Haruki Murakami, "Kafka à Beira-Mar"

sexta-feira, setembro 13, 2019

o sucesso é um monólogo / ninguém te dá um prémio por seres feliz


"Para mim, dentro deste meu corpo, este invólucro defeituoso, o mais importante consiste em sobreviver um dia e outro dia. Uma tarefa que tanto pode ser simples, como revelar-se extremamente difícil. Depende do modo como a encaramos. De qualquer forma, mesmo quando as coisas correm bem, nunca se fica com a sensação de uma grande conquista. Não há ninguém para se pôr de pé e desatar a aplaudir-me, nem nada do género."

Haruki Murakami, "Kafka à Beira-Mar"

quinta-feira, setembro 12, 2019

once upon a time in Lilliput


"Para trás ela deixa apenas uma almofada molhada de lágrimas. Com a mão sobre a tepidez da almofada húmida, vês o céu pela janela ficar pouco a pouco mais claro. Ao longe, ouve-se o crocitar de um corvo. A terra continua a mexer-se lentamente. Mas para além desses pormenores do quotidiano, existem os sonhos. E toda a gente vive nos sonhos."

Haruki Murakami, "Kafka à Beira-Mar"

segunda-feira, agosto 26, 2019

sexta-feira, agosto 23, 2019

"cismas são piores que doenças, QT!"


"You can call this coming clean or the repeat of what you know
About the struggles I once had as I’m learning to let go

I made a pledge to myself, if I was to raise my voice
To be direct as I can be no matter what I may destroy
But I can’t say I haven’t aged
I’ve outgrown what I used to be"

segunda-feira, julho 08, 2019

his dark materials



podia ter sido a noite ébria junto de novos nativos
de terra estranha.
podia ter sido a noite ébria na terra natal junto de
quem se refugiou no lado de lá do mar.
podiam ter sido dois velhos amantes a dar a mão
num concerto de patrick watson.

salgado o amor que o é
por apenas poder ser.

quinta-feira, junho 27, 2019

isto

"And at the end of it all, are you awakening to what you withheld? Did you confuse reacting with feeling? Did you mistake compulsion for freedom? And even so, did you harden your heart against what loved you most? Oh, sweetheart, did you think you could just go on, and never once have to look back?"

Amelia Hays, True Detective, Temporada 3, "The Big Never"

aqui vêm os argumentos

Um dia havemos de falar sobre o assunto. (Não pode estar tudo dito.) O culpado não sou eu. Isto não é uma desculpa para saber da tua vida, e ouvir o "não tens nada a ver com isso", do primeiro capítulo dos manuais de respostas azedas. Eu quero ter a última palavra para além da última palavra que tive. Eu quero raiva. Eu quero que me queiras mal, para te culpar por me quereres mal. A injustiça do mal entendido envenena-me os pulmões. A possibilidade de o meu tempo ter chegado ao fim irrita-me os olhos. Eu tenho de ter a ver com tudo. Eu quero o teu amor, para lhe poder enfiar um biqueiro no focinho.

quarta-feira, junho 26, 2019

tivesses do verbo tar



Um poema sobre ti
seria acerca da casa que cultivas
como a fotografia de uma película
de cinema.
A luz sobre a mesa.
O rádio a dar.
O cheiro a café.
Um frenesim matutino, desenhado
com a leveza de quem dança.
Enquanto trabalhas.

Não é fácil a quem vem de fora
ouvir a música de quem cria 
como quem vive. vive como quem ama.
e como cose estas coisas
numa só.

Equilíbrios tão difíceis
não podem ser fáceis
como apareces
pela manhã
de passos leves
à altura dos teus sonhos.

quinta-feira, junho 20, 2019

fala agora, que ninguém te ouve

agora, está tudo bem.
(finalmente)
deixei toda a gente
porque amei toda a gente.
nunca se conhece ninguém
(verdadeiramente)
acho que seria de bem
estar de bem, também
com a parte de mim
que mente.


quarta-feira, junho 19, 2019

Tanto-Tântalo-Tantalien-Tantaliando

"1. Os corpos sólidos não se fundem, mas o pensamento é um corpo gasoso. Dois pensamentos fundem-se com muito entusiasmo se os braços e pernas não se tocam. Aliás, se houver braços e pernas muito próximos pode bem acontecer que estejas perto da pessoa que amas. Neste caso o pensamento atrapalha, porque os corpos gasosos têm o costume de se afastarem de nós pelas frinchas da janela. Em caso de emergência o teu corpo líquido costuma ter razão: um líquido procura o animal que se assemelha e dissolves-te na tarde, que nunca teve corpo.

2. O atletismo de competição só é praticável por não haver atletas com pernas de cinco metros de altura. A possibilidade de um participante vencer a corrida com meia dúzia de passos não agrada ao público, que gosta de sofrer até ao fim. Se tiveres um coração grande demais a outra pessoa (aquela em quem começas a pensar muitas vezes) pensa que não vai conseguir recolher o sangue todo que esse coração enorme bombeia, e, mesmo que pense em ti muitas vezes, recua. Um coração enorme é uma bomba de felicidade com pernas de cinco metros de altura a correr por cima do teu coraçãozinho assustado.

3. Se há um que funde e outro que quer ser fundido, o melhor é esquecermos a excelente literatura."

Rui Costa, "Fusível Queimado, Jantar Elegante", em "Mike Tyson Para Principiantes"

segunda-feira, junho 17, 2019

"folks. this is the end of my story"

"Wayne Hays: They'll tank the case again, same as '80. I oughta quit.

Amelia Reardon: I thought you should quit for 10 years.

Wayne Hays: Why?

Amelia Reardon: Why? Why wouldn't I want you to quit? I don't think you realize this Wayne: You could have been good at just about anything. But what you think you are, made you stuck."

True Detective, Temporada 3, "Now Am Found"






domingo, junho 16, 2019

no country for old nimbus

talvez regresse.
há um mar velho e uma casa habitado por gatos
que ainda não conhecerei.
escondidos atrás de uma tela de cinema.

os filhos dos outros a ver
o nosso silêncio, intrigados,
podiam ser amigos dos nossos
que não temos.

talvez regressemos.
afinal, o nosso lugar
é longe da nossa casa.


quinta-feira, junho 13, 2019

sermão dos peixes ao santo antónio

redes do demónio não apanham peixe no inferno.
os pregadores, conservadores como são,
fogem delas. ao fim e ao cabo foi o próprio demo
que as teceu.
evitai as redes, dizem. mas ninguém ouve.
no emaranhado todos nos vemos. para a eternidade,
presos na velha ilusão de arbítrio 
e liberdade.
já as cobras fogem por entre os buracos
dum jogo que não jogam.

terça-feira, maio 21, 2019

Morte

por que foste, diz-me, assim comandada para matar
com clareza, mortal como uma vida ou uma certeza?
de ti não parto. creio. abro-te a porta e ponho-me à janela
como um rio. sou teimoso nos dedos da mão dela.
finjo-me clássico, tu hás-de compreender. desço-a
devagar, sei que só te vencerei quando nada
tiver. subo devagar acendo as imagens todas.
não te pergunto: a tua cara muda. sou
mais inteiro repartido. lavo-me, comemos pão.

Rui Costa, "Mike Tyson Para Principiantes"

quarta-feira, maio 15, 2019

CR Hat

O Cardoso usa boina
para não apanhar sol
quando passeia.
Simplesmente, tapa
a careca e deixa ver
quem lá vem.

O Ribeiro usa o chapéu.
O mesmo chapéu
desde que pôde usar chapéu.
Porque os homens usam chapéu
sempre que não estão
em casa.
À porta de casa, sempre,
ele tem-no posto,
porque nunca se viu
homem que é homem
sem chapéu.

segunda-feira, maio 13, 2019

O Round 2 perto do fim e nós, nas cordas, a aguardar o empate técnico

Breve

Esta manhã comecei a esquecer-me de ti.
Acordei mais cedo que nos outros dias
e com o mesmo sono.
A tua boca dizia-me «bom dia» mas não:
não o teu corpo todo como nos outros dias.
As sombras por aqui são lentas e hoje não
comprei o jornal: o mundo que se ocupe da 
sua própria melancolia.
ontem. há uma semana. há muitos meses.
um ano ensina ao coração o novo ofício:
a vida toda hei-de esquecer-me de ti.

Rui Costa, "Mike Tyson Para Principiantes"


quinta-feira, maio 09, 2019

enmadeirados

são saudades. ou só saudades?
de qualquer forma pesam como chumbo
num aquário, onde esvoaçam peixes.
lá no fundo, são bonitas
e nós prezamos a beleza
a ancorar-nos a vida
e os sorrisos.
não denoto sofrimento no teu.
está luminoso como sempre 
e nunca devia ter deixado de ser.

sexta-feira, abril 05, 2019

B.O.G.

A minha insuspeita paixão pela saga Dragon Ball, não me ilude quanto à geral pouca complexidade das narrativas e moral das suas histórias (apesar da sua iconografia, do suspense, da fantasia, das lutas, etc). De resto, e apesar do amor dos fãs, a "franquia" emudeceu durante uns bons anos.
O filme "Battle of Gods" mudou este estado de coisas, à custa de uma cena em particular. Com a elegância e pujança de um clássico.

Algum contexto: Beerus, o Deus da Destruição, acorda após um longo sono, e é avisado de uma profecia na qual um ser, denominado "Super Guerreiro Deus", seria capaz de o desafiar em batalha; confrontando Son Goku, um dos poucos Super Guerreiros conhecidos, Beerus constata que o mortal, apesar de poderoso, nem sequer serve para aquecimento; Son Goku, que no final da série Dragon Ball Z ascendera acima de todos os deuses então conhecidos, e a um poder capaz de destruir um universo inteiro, resume-se à insignificância; após uma parafernália de lutas com Beerus, os personagens descobrem, através das bolas de cristal, que um Guerreiro do Espaço apenas poderia ascender ao estado de "Super Guerreiro Deus", através de um ritual no qual 5 Guerreiros do Espaço, de coração puro, transmitiam a sua energia a um 6º, o qual ascenderia a esse nível, capaz de desafiar o impiedoso e diletante Deus da Destruição.
Son Goku (obviamente) é o escolhido para ascender ao nível profetizado, e pela primeira vez Beerus encontra um adversário digno desse nome. Son Goku, porém não está satisfeito, ou entusiasmado: os insofismáveis poderes foram-lhe dados e não adquiridos à custa do seu esforço. O que diverte e intriga Beerus. À medida que o combate se desenrola, Beerus prolonga a luta o quanto pode, saboreando o desafio, mas a diferença entre ambos é notória. Incapaz de manter o estado Son Goku retorna ao seu nível básico. Beerus desinteressa-se. Cumprida a profecia, restava-lhe destruir o planeta - o seu trabalho e especialidade.

Aí entra a cena em questão: Son Goku não desiste e continua a comprar uma luta que não pode ganhar. De algum modo, através da luta, que mais não foi que um treino com Beerus, o Guerreiro do Espaço aprendeu e apreendeu a força do Super Guerreiro Deus. 
Beerus constata-lhe o óbvio: ele superou todas as expectativas, mas já não é um deus. A luta não faz sentido.
Son Goku, o mortal mais forte que os deuses, que vence por lutar para não perder, pergunta-lhe que diferença faz ser ou não ser um deus. Quando ele está ali, perante o desafio, com vontade de lutar, com capacidade para o fazer, e sem recuar.

Esta cena, para mim, é uma analogia a toda a história do desenho animado. Que ascendeu a níveis estratosféricos de popularidade e relevância, e se quis reinventar, com o que aprendeu, para ser melhor, para não parar de lutar. Porque o status quo, mesmo para um "deus" nada significa, quando não se está disposto a lutar por mais, e a aprender com quem é melhor.

Dificilmente um desenho animado ensinaria a adultos e graúdos uma lição de motivação tão valiosa. Sobretudo uma que já tanto nos deu.


segunda-feira, abril 01, 2019

"não é verdade. é metade de um coração."

a meio da ponte, num passou bem
como os homens da wish you were here
desejamos estar ali.
desejávamos estar ali
a arder por dentro, e não num passou bem
passamos bem
passamos
e não há bem nenhum




quinta-feira, março 21, 2019

estudos, esboços & esquissos

Uma rima não é o meu mambo.
Eu vivo para cantar, mas não sambo.
Todo o esforço é inglório quando
És um escanzelado com uma fúria de Rambo.

Uma rima no tempo da adolescência
Era a arma para vomitar a essência
Do que nem às paredes gritava. Paciência!
Hoje calo-me por conveniência.

Quem é que quer enfrentar demónios todo o dia?
Chapar no espelho uma cara que não dormia
E não mostrar a mais ninguém, por simpatia?
Fica sempre na gaveta a melhor poesia.

Eu escrevo esta letra por medo.
Falo demasiado para poder guardar segredo
De ser figurante nesta vida
Protagonista do meu degredo.

Rimar de punhos bem fechados: é a cena.
Vociferar contra o Estado
Como se fosse culpado
ou se o Estado fosse a cena.

Engrandecer o inimigo
Para enobrecer a sua queda.
Mas quando eu combato, meu amigo,
É para continuar na merda.

Para carregar o peso duma luta sem sentido.
Ou a de todos aqueles que estão a contar comigo.
Em cada passo em frente, sinto o peso desses mundos.
Tenho de me rir se me vejo como o Atlas de Milhundos.

terça-feira, março 12, 2019

quanto mal mereço?


Não pelo todo, meu amor.
Avalia o que eu te diga pela capa.
Pela aparência. Pela rama.
Desliga-te do corpo encorpado.
Ignora a carga dilacerante do discurso.
Tudo se resume à pergunta
Que dei de barato em primeiro lugar.

quinta-feira, fevereiro 28, 2019

um sonhador sem qualidades



um sonhador sem imaginação. sem meios, sem ambição. oportuno para ser ladrão.
um homem sem qualidades pode ver as maiores verdades sem receio de inimizades.
ser ou não ser mesquinho não é marco para o seu caminho. viver é algo que se faz sozinho.

domingo, fevereiro 10, 2019

indie not


Será mais que falta de jeito. Mas eu não tenho jeito para perceber o quê. (Aqui, quem tem a técnica és tu.)
Não posso fazer de conta que não sou quem sou. Ou que não tens um olfacto sensível para as inseguranças do mundo.
Estas qualidades, ou falta delas, expõem-nos muito. Não sou optimista o suficiente para crer que supero este obstáculo.
Está tudo bem quando acaba bem, ou até quando começarmos a ser quem somos.

terça-feira, fevereiro 05, 2019

Cardoso

Estamos sós
podíamos dar uma volta
pela tarde, pela cidade.
Há pessoas à espera de um olá
e quero ouvir-te
a dissertar sobre tudo,
os teus heróis dos livros,
dos desenhos animados.
Passamos pelas missas
onde ainda há esperança,
fé num amanhã eterno.
Paramos para lanchar
eu pago-te o lanche.
Não te faltará nada.
Vemos o sol,
vemos o nosso pequeno mundo.
Quero ouvir-te cantar,
quero cantar também,
ensinar-te o que sei
sem te querer ensinar.
Podemos dar a nossa volta
e regressaremos sempre a casa
fresca, graças à cal que caiamos
na última Primavera.
O nosso campo está lá fora.
A tangerineira e a nogueira já dormem.
As galinhas e os coelhos também.
Em breve partirás para os teus pais
mas amanhã estarás aqui,
sempre comigo.


quarta-feira, janeiro 16, 2019

zero sum

"Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo, ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum."

José Miguel Silva